FANTASIAS DE NATAL - Iolandinha Pinheiro
Joel era mesmo um predestinado: gordinho, barba branca, tranquilo, gente boa e com aquele riso fácil de avô preferido. Quando chegava perto do fim do ano todo mundo o queria vestido de vermelho e com um gorro na cabeça.
Na época de Natal o telefone não parava com convites para ser o Papai Noel em festas e shoppings, mas ele já tinha compromisso perpétuo durante o período natalino. O destino certo no fim do ano era o pequeno centro comercial do bairro onde havia passado a infância. Local onde crescera e onde jogava futebol com os amigos que hoje eram os avôs das crianças que se aglomeram em grandes filas e pediam presentes.
Depois de passar o dia inteiro tirando fotos e ouvindo pedidos na cadeira de estofado vermelho, iam todos, ele e os amigos, ao bar do Tonho para falar do passado e contar piadas novas que haviam aprendido ao longo do ano.
Todo dezembro, como de costume, por volta do dia doze, o gerente do shopping telefonava para formalizar o convite. Naquele dia, porém, o convite não foi recebido. Era hora do almoço, mas ninguém atendia na casa dele. Voltaram a ligar à tarde e nada de Joel. Os dias iam se sucedendo e o prazo para a chegada do Papai Noel tão esperado ia sendo engolido pela ansiedade não apenas dos lojistas, mas também dos amigos do homem, que já imaginavam os piores desfechos para o sumiço.
Com o passar do tempo a angústia ia aumentando e não se falava em outro assunto, até que no dia dezoito, enquanto tomavam uma cerveja na praça em frente ao centro comercial, os amigos de Joel avistaram um carro chegando desembestado e subindo a calçada até parar a poucos centímetros da velha goiabeira ao lado das mesas onde eles bebiam.
Todos se viraram para ver o acontecido. Demorou um pedaço até a porta abrir e de dentro do veículo sair um senhor magro com roupa vestida ao avesso e um fedor desgraçado de pinga misturada com futum de ser humano em decomposição.
O homem saiu do carro com dificuldade e cruzou a praça esbarrando em todos os obstáculos que o separavam do portão principal do shopping. Mal entrou e saiu quase imediatamente acompanhado de cinco seguranças. No último empurrão, girou e caiu de braços abertos sobre o asfalto. Uma pequena multidão se formou em torno dele. Era o Joel.
No hospital, já lavado e usando uma batinha verde, tentava articular alguma explicação para o seu estado deplorável. Mas de tudo que ele falava, só conseguiam distinguir uma palavra:
– Greice!
Afinal, quem ou o que era Greice? Ninguém se lembrava de nenhuma mulher com este nome no bairro deles. O Saraiva teve a ideia de revistar o carro do Joel para encontrar alguma pista. Nada. O João pegou a chave da casa e rumou até lá com mais dois amigos.
A desordem e a sujeira do apartamento estavam quase tão assustadoras quanto a aparência do dono. Encontraram de tudo: bebidas espalhadas pelo chão, geladeira com comida podre dentro, roupas sujas e livros misturados sobre a cama, um pobre gato esfomeado que foi resgatado para casa de um deles e até uma caderneta com nomes de muitas mulheres. Ligaram para cada uma delas, infelizmente nenhuma se chamava Greice ou conhecia alguma Greice, mas seguramente todas naquela lista eram do ramo do entretenimento amoroso.
Quando Joel voltou a si conseguiu lembrar de alguns flashes: de ter perdido o décimo – terceiro no jogo, de ter gastado a aposentadoria de dezembro com farra e sexo, de ter levado um gato pequeno para casa, só não lembrava quem era a tal da Greice.
Enquanto conversavam sobre isso, cada amigo elaborou uma teoria para explicar a existência da misteriosa mulher.
Para o Arruda, era uma antiga namorada do Joel, para o Emiliano, podia ser uma das dançarinas que tocavam balalaica de acordo com o panfleto rosa encontrado ao lado de um vômito.
– Greice é nome estrangeiro.
Procuraram até entre as vizinhas do prédio, mas não existia nenhuma Greice que fosse moradora ou funcionária.
Joel melhorou rapidamente, mas ainda estava muito magro. A verdade era que fazia tempo que vinha definhando por conta da vida dissoluta que levava. Penalizados, os amigos fizeram uma vaquinha para pagar uma boa faxina em seu apartamento e abastecer a geladeira. Apesar do ocorrido no dia da invasão, o gerente do shopping manteve o convite para que fosse o Papai Noel, desde que colocasse uma barriga falsa e não bebesse mais.
Tudo pronto e partiu o regenerado para ocupar seu posto de bom velhinho no andar térreo do centro comercial, entre duas renas de isopor pintado e cinco dançarinas que tocavam balalaica, agora usando uma roupinha sensual no estilo Mamãe Noel.
Mesmo com a barriga falsa, a roupa nova que haviam arrumado Joel numa loja de aluguel de fantasias ainda estava feia e bamba. Como não havia outra melhor, foi com aquela improvisada.
Logo se formou uma fila de crianças cheias de expectativa para pedir os presentes desejados. No meio dos petizes, uma mocinha alta e sorridente com uma sacola na mão acenava para ele.
Joel tinha certeza de que conhecia aquele rosto de algum lugar, e até ela chegar, sentia que estava prestes a descobrir, mas a resposta fugia.
Mal a moça chegou, já foi lhe entregando uma sacola com o logotipo de uma oficina de costura que ficava no terceiro piso no Shopping. Dentro dela, a famosa fantasia que usava todos os anos, bem limpinha e ajustada para a sua nova silhueta.
Tudo voltou então à sua mente: o dinheiro perdido no jogo, o desgosto, a bebedeira, as dançarinas, um rapaz vestido de zebra, a gatinha na calçada, e, por fim, o telefonema que havia recebido porque a sua fantasia estava finalmente pronta. Por isso havia ido ao shopping completamente fora de si naquele dia, havia ido buscar a encomenda no auge da bebedeira.
Ele então agradeceu e disse que depois passaria lá para acertar. Antes que ela se virasse para sair, ele quis saber o nome da moça.
– Meu nome é Greice, senhor. Boa tarde
Iolanda Maria Pinheiro C. Leitão.