A voz de Jesus
Era uma reunião espiritualista calma, sem encantados mandando palavrões ou rolando pelo chão, a chamada mesa branca ou sessão astral, como dizem os entendidos. Realizava-se todas as quintas-feiras na casa de Dona Engrácia, uma das mais antigas moradoras do bairro.
Um dia baixou um espírito de voz mansa e suave. Perguntaram-lhe o nome e ele falou docemente: “Jesus”. Um murmúrio de admiração, misto de respeito e fervor correu pelos assistentes e, sobretudo, todos se sentiram muito abençoados pelo Alto. O próprio Jesus, o filho do Homem, vinha comunicar-se ali, naquela humilde tenda espiritual! Jesus deu muitos conselhos – sempre com voz mansa e suave – aplicou passes e foi embora. Para voltar muitas outras vezes, tornando-se, em conseqüência, a grande atração das reuniões das quintas-feiras. Um dia, entretanto, alguém perguntou a Jesus:
- Mestre, dizem que, antes de morrer, disseste ao bom ladrão: “Em verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no Paraíso”. Foi verdade isso, Mestre?
Jesus estranhou e respondeu, a voz sempre suave e mansa:
- Meu filho, eu morri só, não tinha ninguém ao meu lado, muito menos um ladrão...
- Mas não és Jesus de Nazaré, o Mestre, o filho de Maria e José, o Messias, o que morreu na cruz por nossos pecados?
Jesus riu baixinho e explicou:
- Jesus de Nazaré, que nada! Sou o Jesus Soares, famoso pau d’água, que foi sapateiro na Travessa Bom Milagre, e que morreu de tanto beber cachaça!