VAMOS FURAR O TETO ? ! . . .
As duas famigeradas geriatras que mantinham a clínica, há vinte e seis anos, matavam-se de trabalhar. Agendamento de clientes repleto. "Só tem vaga daqui a dez meses" - disse a secretária/atendente, consultando um dos muitos cadernos de capa colorida espalhados sobre a mesa. Nem ouviu o "sim" ou "não" do cliente, saíu apressada à procura de um prontuário desaparecido do arquivo - saleta de 9 m² em cuja única porta estava escrito: ACESSO RESTRITO.
"Não, não tem hora marcada! O atendimento aqui é por ordem de chegada" - respondeu ao mesmo cliente quando retornou.
Durázios - de septuagenários a quase centenários - aglomeravam-se numa sala de espera do tamanho de um ovo - uns 20 m². "Dá um jeito, minha filha! Estou aqui há seis horas. Já fui ao banheiro três vezes! Não dá mais pra esperar"... - Suplicou um dos octogenários, girando sua cadeira de rodas em direção à saída.
As duas médicas - "famosas" - passavam as quatorze horas de trabalho trancadas com o cliente da vez em seus consultórios. Não viam nada do que se passava além das soleiras de suas portas. Só davam as caras para chamar: "O próximo!"... Almoçavam ali mesmo em alguns minutos: comida fria trazida de casa. Um sufoco! Ou pior: um inferno! Não viam também o arquivo, estufado, bagunçado.
"Quero falar com o diretor-técnico da clínica" - A atendente me respondeu que não tinha. A equipe de trabalho era constituída somente de duas médicas e duas atendentes. Até os cegos percebiam que ali faltava o olho de um administrador.
Com algum esforço, consegui marcar um encontro de final de semana com as duas geriatras, minhas amigas desde a época em que o ensino médio abrangia o clássico e o científico. Mostrei-lhes o problema e, mesmo com pouca bagagem em administração, apontei soluções. Ofereci-me por um período como voluntário. Reação inesperada:
"Não! Já estamos acostumadas com tudo isso! Está perto de a gente se aposentar... Além do mais, somos analfabetas em informática"...
A conversa continuou quando entramos no arquivo de prontuários, a tal sala de "acesso restrito". - Por que as escadas? Precisa prevenir-se de acidentes de trabalho!...
E uma delas, sertaneja, superconservadora, me explicou:
- no começo instalamos duas estantes de madeira, 1,5 m de altura, meio metro de profundidade, ocupando toda a sala; tinha capacidade para arquivar cerca de 3 mil prontuários, devidamente envelopados e envolvidos por cintas de borracha (daquelas que a gente amarra dinheiro);
Obs.: as cintas de borracha rompiam os envelopes, exato na borda onde estava escrito o nome do cliente, gerando perdas.
- com o aumento do número de prontuários as estantes ficaram estofadas;
- em vez de chamar um técnico em organização de serviços, o que seria despendioso, preferimos chamar um marceneiro, com a salvadora ideia de sobrepor outra estante até alcançar o teto; uma folga relativa que exigiu, a partir daí, o uso das escadas...
Sim, doutora, mas observei que a estante adicional também já está totalmente ocupada, estofada...
E agora, sem espaço e com mais de dez mil prontuários para arquivar, como vai proceder?
- Muito fácil! - Respondeu, confiante:
Não vamos mudar nada! Vamos seguir a política antiga, meu velho!
Agora - muito simples - é só chamar um marceneiro e um pedreiro:
VAMOS FURAR O TETO ? ! . . .
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Moral da história:
Minha amiga raciocinou e aderiu à reformulação dos serviços e à informática. Atende o mesmo número de clientes, com hora marcada e uma única atendente num turno de seis horas. Prontuários quase que totalmente digitalizados. No dizer tecnológico, seu arquivo se encontra virtualmente "NAS NUVENS" (exatamente onde um dia sua estante chegaria).
Em suma:
Os que raciocinam jamais precisarão FURAR O TETO.
P.S.: Redigido no mesmo dia em que nossos parlamentares se reuniam para furar o teto do orçamento da União (2021), com o objetivo principal e jocoso de obter grana para a campanha eleitoral de 2022.
Tenho dito!
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