Ferreirinha, Uísque & Cia
- E aí Claudo tudo em riba?
- Sim Ferreirinha tudo na santa paz ao menos até a sua chegada. Que ventos o trazem por aqui?
Perguntei num misto de receio e quase arrependimento por temer a resposta.
- Foi vento não, vim de carona no caminhão tanque de Gilberto Moreira, tava sem trabalho em Tabuleiro e resolvi ver se consigo algo por aqui. Macho foi só lhe ver que deu vontade de tomar umas, vamos?
- Ferreirinha, tenho trabalho amanhã, não vai dá pra beber hoje.
- Claudo desde quando isso lhe impediu de beber? Vamos no Bar do Bacurim...
- Ferreirinha, ainda tou pendurado com aquela conta que você fez lá no meu nome da ultima vez que veio aqui, sinto muito mais a minha vergonha é maior do que a sua vontade. Ele olhou pra mim com a cara mais lisa e perguntou;
- Porque você não pagou?
Diante disso, resolvi mudar o foco do assunto;
- Ferreirinha tou com um trabalho e precisando de alguém pra me ajudar a envernizar e como você é fera nisso quer encarar essa?
Ele ficou um segundo calado, depois disparou as pergunta:
- Você vai me pagar quanto? Adianta algum pra começar?
- Calma Ferreirinha, ainda nem começamos e tu já quer dinheiro? Fica lá na Frei Mansueto, é na casa de um casal de empresários, mas só pagam depois do trabalho pronto.
Tive que mentir, pois com Ferreirinha não pode facilitar. Diante disso ele diz;
- E como você é abestado com certeza aceitou né Claudo?
- Ferreirinha, não tinha outra coisa, era pegar ou ficar sem trabalho!
- Tá bom Claudo, mas vou dormir aqui, não tenho dinheiro pra voltar, tia Gercina vai fazer o que pro jantar?
- Pergunta mais besta Ferreirinha, desde que nos conhecemos por gente, que mãe só faz baião pro jantar.
- Mas baião com o que Claudo?
- Ferreirinha deve ser baião com cheiro verde.
- Tou perguntando a mistura seu lezado!
- Ferreirinha, vai pra porra!
O jantar foi baião com bife do olhão, mas é indigesto ter na mesa a seu lado um cabra que come feito um cavalo arrota feito um jumento e peida feito Ferreirinha.
Amanheceu e o ronco de Ferreirinha ainda ressoava pela casa, sacudi o punho da rede dele, que acordou de sobressalto gritando...
- Não foi eu não!!!
- Calma Ferreirinha, tu tava sonhando com o que?
- Nada não Claudo, a tia já fez o café?
- Fez sim, mas ainda é cedo, o pão não chegou na mercearia, que a essa hora ainda tá fechada.
- Claudo é por isso que gosto de Tabuleiro, só o que tem é padaria, uma hora dessa, Zé de Pio, Damião, Seu Abílio, Odílio, já tão tudo aberto.
- Pois é mais aqui é diferente, ninguém vai abrir uma hora dessas pra ser assaltado.
Mãe chama, vamos pra mesa, pra sorte do Ferreirinha tinha um pedaço de pão de ontem. Ao terminar vamos pra parada de ônibus. Ferreirinha partiu pra subir pela porta da frente e o motorista avisa;
- Moço a borboleta é lá atrás!
Ferreirinha responde;
- Não tenho medo nem de cobra, quanto mais de borboleta!
Nesse instante já estava pagando nossas passagens, aviso pro trocador que ele é do sertão e nunca tinha andado de ônibus. O rapaz avisa pro motorista que tava tudo certo e a passagem paga.
Chegamos ao apartamento, Dona Cristiane, a proprietária, estava arrumada pra sair pro trabalho.
- Bom dia Claudo.
- Bom dia Dona Cristiane, esse é meu amigo Ferreirinha, ele vai envernizar o bar.
Ela olha pro Ferreirinha sorri e diz;
- Bom dia Ferreirinha, só quero que você tome muito cuidado, pois meu marido tem mais ciúme das bebidas dele do que de mim. Claudo, volto pra casa na hora do almoço pra ver como estão as coisas, bom trabalho.
Saiu sob o olhar malicioso do Ferreirinha, que quando a porta do elevador fechou, falou baixinho pra mim;
- Claudo, essa mulher é gostosa até na maneira de falar!
- Ferreirinha, a gente veio aqui pra fazer um trabalho, então, por favor, não olhe, não escute e não faça comentários de qualquer natureza.
- Tá bom Claudo, mas você quer bem dizer que ela não é bonita e gostosa?
Levei Ferreirinha ao bar onde ele faria o verniz. Pude ver no seu olhar um brilho ao ver as garrafas de bebidas importadas.
- Ferreirinha vê se não avoa.
- Claudo, isso aqui é um sonho!
- Pois trate de ficar acordado e trabalhar!
Falei já começando a me arrepender por colocar a raposa junto das galinhas.
Comecei a trabalhar na montagem da rouparia no corredor dos quartos e de vez em quando ficava de olho no Ferreirinha pra ele não cair em tentação, meio dia, Dona Cristiane chega, nos cumprimenta e vai pra cozinha, depois volta pra sala, fica ao meu lado puxando assunto enquanto eu trabalho, até que pega no meu braço e diz.
- Claudo pare um pouco, sente aqui e vamos conversar.
Me faz sentar no sofá ao seu lado e se põe a fazer perguntas que vão desde o trabalho até relações familiares. Até que chega Mazé, a cozinheira e diz que o almoço está na mesa, ela se levanta e diz;
- Agora vamos almoçar, Ferreirinha vamos pra mesa.
Ferreirinha que estava atrás do balcão do bar, levanta numa velocidade e só não chegou antes de nós na mesa, porque onde estávamos era a metade do caminho.
Almoçamos, Dona Cristiane foi pro quarto e voltamos ao trabalho. Ela volta do quarto e diz;
- Claudo, provavelmente você vai sair antes que eu volte, se precisar de alguma coisa pode pedir pra Mazé, notei que o Ferreirinha tá com os olhos muito vermelhos, deve ser por causa do verniz, pedirei pra Mazé preparar um copo de leite pra cortar o efeito.
Isso me alertou, fui até o bar e encontrei o Ferreirinha sentado no chão atrás do balcão do bar bebendo uísque importado diretamente da garrafa.
- Porra Ferreirinha tu quer me lascar rapaz?
Ele se assusta com o fragrante e se engasga. Nesse momento a Mazé grita da cozinha.
- Seu Claudo, pede pro envernizador vir tomar o leite!
Ferreirinha se levanta meio cambaleando e diz;
- Eita que aqui é bom demais! Mal almoçamos e já vamos merendar!
Partiu pra cozinha, sentou-se à mesa como se fosse o dono da casa, olhou o copo de leite e perguntou.
- Mas não tem nenhum bolinho, leite só combina com bolo!
Mazé traz uma boleira com um bolo pela metade e diz;
- Sirva-se à vontade Ferreirinha.
Ele não se faz de rogado e devora o bolo separando cada pedaço com as mãos, ainda pede mais leite. Não sei onde enfiar a cara com tanta vergonha alheia. Ele levanta da mesa, olha pra mim e pergunta.
- Será que sai também a janta antes da gente ir embora?
Olho pra Mazé que sorri com a situação e diz;
- Desculpe aí camarada, mas meu expediente acaba depois que lavo a louça, agora somente amanhã.
Voltamos ao trabalho e vou ajudar o Ferreirinha no verniz, que me diz.
- Claudo, pode deixar que dou conta, vá fazer o seu trabalho e deixe o verniz comigo.
- Não Ferreirinha, temos que terminar esse verniz hoje, senão amanhã não vai sobrar uma garrafa de uísque!