NESTOR DAS VIRTUDES O CARPIDEIRO

Concordo que pode haver exagero na história do Nestor das Virtudes, uma conversa que é dele numa rádio pirata inclusive fechada pela Polícia onde sabe-se que cantavam um canário e um sabiá sem direito autoral. Bom, remonto a lida do CARPIDEIRO Profissão (antiga) em alta já que morre gente todo dia e os contratados tem que chorar contra a própria vontade em velório alheio e se mostrar entristecidos ainda que não se importem com o falecido, numa dramaticidade teatral que deverá parecer aos olhos de estranhos que o morto era de estreitíssimas relações de amizade com o choroso a soldo.

Tal preâmbulo antecede a entrevista concedida na noite de uma data bastante sugestiva por ora Primeiro de abril perto de 19 horas que inicio assim: - Agora que são 18:54, estamos na Rádio Sumaré FM com o Sr Nestor das virtudes. Carpideiro com preferências pelo pessoal da alta sociedade e de credibilidade bastante aceita nos locais onde comparece com o objetivo de mostrar que o morto teria na pessoa dele alguém querido (mediante uma quantia previamente combinada pelos familiares, é claro) Vamos lá;

- Boa noite Sr Nestor!

- Boa noite Sr locutor Cláudio Manuel e todos os ouvintes da rádio Sumaré!

- Temos todos, a curiosidade de saber como é a vida de um carpideiro e saber de você que pode esclarecer sobre o assunto dessa profissão que aos olhos de alguns é discriminada, já que chorar sem sentimentos só é pior quando isso acontece como no seu caso feito sob remuneração, no que respeitamos mas como isso pode ser considerada uma profissão?

- Sabe Sr. Manuel é uma profissão como outra qualquer e todos se atendem?

- Espere aí; - Se atendem? Como assim? Não há quem confunda como falta de respeito?

- Ora, em velórios que comparecemos o preenchimento melancólico acontece em tempo real e quem nele chegar sem saber o que ocorre chora também porque o choro é contagiante.

- É mesmo? - Eu não sabia disso. Mas tem outra coisa, isso de carpideiro. O comum não seria carpideiras?

- É a globalização, amigo radialista as mulheres estão há muito perdendo esse espaço, não que seja por falta de choro e consternação mas as mulheres choram por qualquer motivo dai que num velório não estão mais convincentes e ao invés de derramar lágrimas na verdade hum... na minha opinião com todo respeito entornam o caldo, uma lástima, acredite, foi-se o tempo delas.

- Quais suas referências anteriores Sr. Nestor, para quem estiver atento a essa entrevista, é claro que ninguém quer ver um familiar morto, vai que haja um necessitado ou interessado. Nunca se sabe.

- Bem Sr. Manuel já trabalhei em mais de cinqüenta velórios pelas casas capelas e cemitérios, só não trabalho em velório de pobre porque a choradeira deles e de graça e existe exacerbações na consternação normalmente aplacados com cachaça, o que compromete e anula minha profissão que repito é um trabalhos sério.

- Por falar em profissão, como você trabalha exatamente? É só chegar chorar e pronto?

- Não, Há todo um processo. Temos uma equipe e somos metódicos e organizados, hoje contamos com dez carpideiros, já que o choro exige decibéis melancólicos e esse deve ser o quorum mínimo ocupando o evento sem aquela triste sensação que o morto está abandonado.

- É, Você parece ter razão, Estando lá pra chorar tem que chorar. Ah! Tem prazo para permanência?

- Bem, na verdade, duas horas antes todos os carpideiros já no velório tem o histórico do morto, tornando as coisas mais fáceis dando a impressão de que ele era alguém que (desculpe o trocadilho contrário à profissão) que não poderia ter morrido , e não deve ser lembrado nunca se tratar-se alguém de baixa popularidade ou mesmo alguém detestável, como é o caso de nossos contratantes. Os melhores fregueses na verdade e não temos preocupação com isso pois são negócios, como a prostituição, cabo eleitoral de político tomador de conta de carro, gigolô de velhinhas. E porteiros de bordel nada diferente disso, todos correram atrás do ganha-pão.

- Você me fez recordar que um de seus carpideiros foi pilhado rindo num desses velórios aí e deu uma confusão danada. Não é ruim para os negócios?

- Minha Nossa senhora da boa morte, É péssimo!

- Onde e como isso aconteceu?

- Ah! Sim! - Isso foi o João Joaquim lá do Beco do Pandeiro, ele riu no enterro do coveiro José flores, um trato deles lá que quem fosse primeiro teria que submeter-se a uma demonstração bem humorada no dia do seu enterro, dai as gargalhadas. A mulher dele era bem impopular e fuxiqueira e não apareceram vizinhos para o velório e ela contratou nossos trabalhos. O negócio da confusão é que ela não foi avisada antes e a coisa

parou na delegacia, mas o João estava de folga e por isso foi problema dele, tanto que ele ficou o final de semana em cana sem choro, Aliás, te falo mais aproveitando que estamos no ar – João se estiver nos ouvindo, você está despedido.

- Confirmando, portanto a demissão do Sr. João Joaquim, despedido por ser pego rindo em velório do qual ele foi pago para chorar. - Muito bem, Essa foi explicada, mas tenho aqui registros que vocês aprontaram no velório de um avarento e a coisa por lá também teve um tempo quente e delegacia de novo o que houve?

- Nem me fale o danado do Sr Noronha, contratou a gente sabendo que estava para morrer dai a pouco e colocou na cláusula do contrato que só pagaria se ele estivesse sendo velado rindo com sua dentadura de ouro que em seguida seria doada a instituição de caridade deixando a viúva a ver navios.

´- E ai?

- E aí? A danada da viúva disse que não tinha disso não e além de tirar a dentadura de ouro depois de colocar uma de segunda mão, ainda não quis pagar o serviço porque não conseguimos fazer o velho rir, ele morreu com a cara ruim sabendo disso daí que no além não teria como nos pagar também e por isso como chacota o meu amigo Rubirosa pegou um pandeiro e fez um samba do Moreira da Silva no Velório dele e a polícia foi chamada com todo mundo de novo na delegacia e os guardas desceram o cacete no Rubirosa pela falta de respeito pelo morto que cá pra nós se não estivesse morto eu o matava.

- Muito bem, estivemos aqui com o Sr. Nestor das Virtudes que falou em nome dos carpideiros, Sr Nestor boa noite e deixe ai o contato para quem quiser embora eu duvide que alguém queira morrer ou ver um morto em sua família tão cedo.

- Não temos o número do telefone,

- Mas e o endereço?

- Ah! Sim! Rua do Lamento Nº 13 Bairro Sorriso. Referência Padaria do caveira

- Sumaré FM, Uma ótima noite a todos e obrigado pela escuta.