A MOELA DE CREUZA
Como era deslumbrante, audaciosa, graciosa, tenra, esbelta. A moela de Creuza. Não sei se conto para minha mãe, cujo apartamento dividimos no Leblon. Não me faça desistir da moela de Creuza, como me fez desistir das curvas de Helenice, como me fez desistir das celulites de Clélia, como me fez desistir das varizes de Teotônia, como me fez desistir dos mamilos de Cici. Não me faça desistir da moela de Creuza, estou ardentemente fixado na moela de Creuza. Agora é diferente, é uma moela que está em jogo. Nunca, na minha vida, eu jamais acreditaria que uma moela pudesse fazer na minha vida o que um mamilo, outrora, não fez. Não vou contar para a minha mãe sobre a moela de Creuza, vou manter esse segredo até a morte.
Todo dia encontro minha subsistência nas profundezas da marmita onde encontro, submersas nesse mundo de insignificâncias, a moela de Creuza. Eu, tão medíocre, nessa existência medíocre, talvez não seja merecedor da moela, mas vou fazer por merecer, vou lutar pela moela de Creuza. Enfrentarei soldados, uma infantaria armada, tanques blindados armados de mísseis nucleares, capazes de destruir toda a Terra, mas não deixarei por menos, serei recompensado pela moela de Creuza. Para trás vai ficar um país destroçado, em ruinas, praticamente aniquilado, mas eu terei a moela de Creuza.
Estou feliz, pois terei, finalmente, a moela tão sonhada, tão cobiçada... Epa, o que aquele grandalhão com capuz de carrasco de guilhotina da época de Luis XV está cochichando com Creuza. Ah, não! Essa não! Esse camarada está de olho na moela!! Concorrência, nãooo! Olha aqui, o cidadão, acho que ninguém te avisou que a moela da senhorita tem dono? Ah, tá, não sabe? Ah, que interessante! Aliás, o cidadão, você primeiro não pergunta se a moela da senhorita não estaria comprometida? Vejo que vosmecê, mancebo de baixa estirpe, não está entendendo que a moela da senhorita já tem dono! Ah, o que? Decidir isso num duelo? Decidir a moela da Creuza num duelo? Eu posso escolher as armas? Tá, obrigado pela gentileza! Hummm, deixa-me ver... hummm... Então, escolho este pistolão. Pronto! Você vai ver! Defenderei a honra da moela no pistolão! Parece que Creuza não ficou impressionada com este pistolão! Creuza! É por você e pela moela! Lembro-me do grito de D.Pedro II, nesse caso, adaptado, para a ocasião: ”Independência ou Moela!” Vamos, então, decidir essa peleja. Creuza, vou defender a nossa moela, nem que for com a morte. Sei que a frase é forte, mas para o momento ficou adequada. Até os confins mais distantes destes grotões, bibocas e malocas, chegará a notícia desse feroz combate, onde um de nós tombará para honrar a moela de Creuza. Já estou de posse de meu pistolão, prepare-se grandalhão, é a última vez em que bota os olhos na moela de Creuza. Vai sentir a força do meu pistolão, abrindo a sua carcaça ao meio, terrível bandido, facínora, surrupiador de moela alheia! Prepare-se para deixar esse mundo de moela! Essa moela tem compromisso comigo! Saqueador de moela alheia, prepare-se para sentir o poder do meu pistolão!
-Senhor, senhor, o drinque!
Pai do céu! Será que o garçom ouviu falar em pistolão? Acho que deixei escapar essa última frase. Acho que a falei em voz alta. Estou num bar, num fim de tarde, num fim de expediente, exausto, depois de um dia cansativo, separando notas da empresa para o Imposto de Renda. E pensando e repensando na moela de Creuza, que estava realmente irresistível.
Mas estou ainda preocupado, e em dúvidas, se o garçom ouvira algo a respeito de “pistolão”, caso eu tenha dito o final da frase do meu pensamento em voz alta. Mas minhas dúvidas se desfizeram quando ele voltou, trazendo o prato que pedi, e mostrando um sorrisinho indisfarçável na cara.