O Pênis do Raimundo

Se, em uma roda de amigos da velha guarda, pararmos pra contar as histórias da Vila Alpina, um bairro da Zona Leste de São Paulo, acreditem, atravessaríamos noites e mais noites adentro proseando e mesmo assim, com certeza, iriam sobrar histórias para serem contadas. Todavia tem algumas que nos marcam tanto que são obrigadas a serem relembradas toda vez que se juntam dois ou mais amigos da antiga para matar a saudade do nosso querido bairro. E uma delas aconteceu no Campo do Galo, onde hoje existe o Hospital da Vila Alpina. Ali era o ponto de encontro dos moradores da nossa quebrada. Aos sábados a tarde jogava o Nacional e aos domingos pela manhã jogava o Galo de Ouro. O ponto alto nesses encontros era a barraca do Raimundo. Figura folclórica do nosso bairro e que infelizmente já pegou o elevador para ir morar no andar de cima. O Raimundo tinha várias tiradas que divertia todo mundo nos dias de jogo: "Estamos respirando o mesmo oxigênio", "O vento que venta lá é o mesmo que venta cá", "Melhor fanhoso que sem Nariz", "Conforme a posição dos astros que no momento se encontra no decanato de capricórnio, tudo indica que um monte de gente vai sair bêbado daqui hoje". Esses eram alguns dos bordões que ele usava nos dias de jogo e que fazia a galera se rachar de rir. Vez o ou outra a bola caia próximo a barraca e de imediato ele puxava um facão de dentro de uma sacola, empunhava-o como se fosse uma espada e berrava a plenos pulmões: ---- Se essa bola cair dentro da barraca eu vou picar ela em mil pedaços. Bando de desocupados. Aqui não é lugar de jogar bola.

Outras vezes ele dizia que iria se candidatar a vereador e caso ganhasse mandaria asfaltar o campo do galo. E quando, na brincadeira, alguem o rotulava de palhaço, ele de imediato se defendia dizendo estar longe de ser um palhaço, pois na verdade ele não passava de um humilde comicozinho.

Tudo isso faziam dele a grande estrela do espetáculo durante os jogos nos finais de semana.

O carro chefe na sua barraca era a famosa batida de maracujá, que este humilde escriba não se envergonha de confessar as várias vezes que saiu dali tropeçando em palito de fósforo. E o Raimundo não se cansava de fazer a propagando do seu produto:

---- Essa é a famosa amarelinha vinda direto da fazenda do Cacique Juruna. Ela cura hemorróidas, catapora, sarampo, gonorréia, coceira no fiantó, mau olhado, quebranto e mais um monte de coisas ruins. E o que é mais importante, não tem contra indicações.

Tinha também o troféu de melhor em campo, que todo sábado ele deixava sobre o balcão envolto por uma capa que o cobria por inteiro. Na realidade o troféu era um enorme pênis, que ao final da partida ele tirava a capa e o erguia imitando o gesto dos grandes capitães na conquista da Copa do Mundo.

---- Olha aqui o troféu pro melhor em campo! Ei, ei! Olha aqui rapaziada, o troféu pro melhor em campo.

Gritava ele para os jogadores que riam e acenavam com o dedo dizendo que não queria receber o prêmio.

Era assim todos os finais de semana. E como eu havia dito, tem histórias que ficam marcadas na memória que a gente não esquece nunca e uma delas aconteceu em um sábado a tarde durante o jogo do Nacional. A barraca do Raimundo, rodeada de torcedores bebendo e cantando vários sambas da antiga, quando de repente adentrou-se à praça de esportes a toda velocidade uma viatura da polícia, a famosa C-14. Parou ao lado da barraca e mandou todo mundo encostar na parede do vestiário.

---- Todo mundo com as mãos encostadas na parede. -Ordenou o comandante.

Um a um foram revistados. Encontraram alguns cigarros de maconha, que foram jogados ao chão e esmagados com os curtumes dos soldados.

---- Essa porcaria nós não queremos. A denúncia que a gente tem é de que uns foras da lei estão vindo armados aqui pro campo.

Entraram na barraca e a revistaram de cabo a rabo sob o olhar apreensivo do Raimundo, com medo da possibilidade de alguém ter escondido alguma coisa ali dentro.

Como não encontraram nada eles saíram e ordenaram que todos voltassem para a barraca. O comandante em tom ameaçador avisou que voltariam outras vezes e se pegasse alguém armado ali no campo ele faria o sujeito engolir o revolver com bala e tudo. Já se preparavam para retirar-se quando o comandante voltou o olhar para aquele objeto estranho sobre o balcão envolto por uma capa de tecido.

---- O que é isso? -Perguntou o comandante

O Raimundo na maior cara de pau, com um sorrisinho sarcástico no canto da boca, respondeu:

---- Comandante, esse é troféu pro melhor em campo!

O comandante aproximou-se e puxou a capa, deixando à vista um enorme pênis talhado em madeira.

---- Que porra é essa? -Gritou o comandante.

---- Então... conforme eu havia dito para o senhor, esse é o troféu para o melhor jogador da partida.

---- Guarda essa merda ai dentro, antes que eu te leve preso por atentado ao pudor. -Ordenou o comandante.

O Raimundo rapidamente guardou o troféu sob os olhares dos soldados que tentavam segurar a risada diante de tudo aquilo.

Entraram na viatura e saíram vagarosamente do local. O comandante virou-se para os três soldados que estavam sentados no banco de trás e ordenou que parassem de rir, pois não estava achando nenhuma graça no que havia acontecido. Assim que a viatura desapareceu ali pros lados da Rua Brumado de Minas todos caíram na risada e a vida voltou ao normal.

---- Segue o jogo! -Gritou o Raimundo