O Jejum

As coisas andavam bem lá em casa. Já havia se passado algum tempo depois que pai tinha recebido alta do hospital de Messejana, onde passou seis meses internado, se curando do pulmão por conta do cigarro, nessa época mãe ficou com a gente em Tabuleiro, onde vendeu os moveis que tínhamos pra poder nos manter bem alimentados, todavia não foi suficiente e recebemos ajuda de tio Chico. Como ele plantava feijão, quando colhia estocava pro restante do ano, toda semana recebíamos dele uma bolsa de palha cheia de feijão de corda e era só o que tínhamos pra comer nesse período, mãe às vezes pedia uma xícara de açúcar emprestado com suas amigas e colocava meia colher no prato de cada um dos filhos, quando não um pouco de óleo. Mistura só tinha quando nossa gata pegava um preá ou a galinha da vizinha pulava pro nosso quintal. Depois que saiu do hospital, pai tratou de refazer a mobília da casa nos intervalos de uma encomenda de um móvel e outro. Mesmo com a situação favorável que estávamos vivendo, meu pai andava cismada com Ferreirinha, que só aparecia na hora das refeições, logicamente a gente sabia que era pra filar a bóia, mas no coração da Dona Gercina, onde come um come três, sim porque o Ferreirinha comia por dois.

O velho tratou de me dar um ultimato;

- Claudo, o amigo é seu, você é quem vai falar pra ele que não pode mais vir comer aqui em casa, já basta as seis bocas que tenho pra alimentar, tem mais se não fizer isso, a sua comida será dada pra ele.

Meu pai era um homem bom e trabalhador, mas rude e não arredava pé depois que dava sua palavra. Eu não havia aprendido (como até hoje não aprendi) a dizer não a quem tem fome, por isso acabei fazendo um regime forçado durante dois dias e ainda tinha que ver o Ferreirinha sair de bucho cheio e muito satisfeito. Meu pai mantinha-se firme no que dissera. No terceiro dia já com o mundo rodando de tanta fome, fui à casa de tia Francisca pra ver se tinha sobrado alguma coisa do almoço, ela disse que não sobrara nada, mas ia fritar dois ovos e fazer uma farofa pra mim e perguntou o que estava acontecendo, já que meu pai tinha voltado e não deixava faltar comida em casa. Contei toda a situação com o Ferreirinha pra ela. Tia caiu na risada e disse;

- Mas que malandro aquele menino, meu filho todo dia ele passa aqui em casa, como Toim gosta de almoçar cedo, já temos almoçado e Ferreirinha fica com o que sobrou nas panelas, por isso que não tinha mais nada.

Tia me entrega a farofa, enquanto comia fiquei pensando num jeito de me vingar do Ferreirinha. Vou pra casa e na hora do jantar lá estava o Ferreirinha que era o primeiro a sentar-se à mesa, mãe começou a colocar a janta e eu pergunto;

- Mãe, a senhora deixa que eu coloque a comida do Ferreirinha?

Sirvo Ferreirinha, mas não sem antes colocar meia garrafa de um molho de pimenta que só quem agüentava era pai, quando este começa a mastigar, pergunto;

- Porque é que você tá chorando Ferreirinha?

Ele responde;

- É que deu uma tristeza danada de saber que, enquanto estamos comendo têm tantos que não tem o que comer...

Ainda tenho que escutar mãe dizendo;

- Esse menino tem um coração de ouro!!!

Claudo Ferreira
Enviado por Claudo Ferreira em 30/03/2021
Reeditado em 30/03/2021
Código do texto: T7219644
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