ORAÇÃO POST COITUM - PARTE I

Antes da adolescência eu pensava que existiam inúmeros tipos de garotas: as patricinhas, as nerds, as CDFs, as burras, as masculinas, as palhaças, as gamers, as barraqueiras, e até as religiosas. Mas aos meus quinze anos descobri que todas essas categorias eram apenas vertentes de duas classes principais: as recatadas e as piriguetes.

As recatadas eram geralmente uns anjinhos na escola e para a família. As piriguetes... basicamente o oposto disso. Porém, por ironia do destino, eu conseguia ser uma mistura das duas. Eu era uma boa menina para minha família, só tirava notas altas e era aquela prima que todos os tios usavam como exemplo quando queriam humilhar seus filhos:

“A tua prima Gabriela acorda cinco e meia da manhã pra ir pra escola” - Se soubessem que eu passava mais quarenta minutos depois disso só assistindo canais de react no youtube...

“A tua prima Gabriela leu cinco livros só esse mês” - Certo, mas você nem imagina que quatro deles eram só putaria.

“Por que desviou o caminho de casa? A tua prima só sai de casa pra escola e da escola pra casa!” - E com pequenos intervalos para dar uns pega a cada esquina.

“Tua prima tem quinze anos e nunca engravidou!” - Porra, mas aí eu merecia um prêmio por isso. Será que eu seria desclassificada dessa competição caso descobrissem os cinco fetos que já joguei na privada? Calma, gente. É só uma piada.

(Dois deles foram espontâneos, relaxem).

“Tua prima, ao contrário de você, ainda mantém a virgindade!”. Realmente, nunca nem pintei meu cabelo para manter ele sempre natural e virgem.

“A tua prima é mais bonita que você!”. É, aí eu não posso discordar. Desculpa, prima!

A questão é que eu era tanto um exemplo de moça do lar, quanto de uma piriguete da rua. Como isso era possível? Simples: pegue um cara virgem de família conservadora e bote para trepar com uma mulher baladeira e empregada de casa noturna e você terá uma Gabrielinha descendo vagina abaixo.

O ano era 2016, meus pais já tinham se separado e eu morava com a minha mãe e uma lésbica amiga dela que... Um dia eu conto essa história. Nós três residíamos na cidade Jorge Texas, no bairro Cafundó, e na frente da nossa casa, do outro lado da rua, existia uma igrejinha evangélica. Não esquece essa informação, é importante.

Minha mãe estava passando por uma crise financeira delicada, pois só o emprego de garçonete e cozinheira não estava dando conta de todas as despesas e para completar, ainda tinha duas desocupadas em casa. Acontece que eu tinha a desculpa de que era menor de idade, estudante e o futuro do Brasil. Já a lésbica... Bom, ela era lésbica, quem contrataria uma usuária de couro e comedora de casadas?

Tendo isso em vista, minha mãe, que sempre foi uma cozinheira de mão cheia, resolveu montar uma pequena venda na frente de casa. Era uma barraquinha de garagem em que vendíamos tacacá, bolo e kikão (eu sei, combinação estranha e nada harmônica, mas o que é que vocês esperavam? Queríamos ganhar dinheiro, não vencer no MasterChef) e colocou eu e a lésbica para cuidarmos da banquinha enquanto ela estivesse de serviço – Estou me sentindo mal por referenciar alguém pela sua orientação sexual e assim perpetuar o uso arcaico de estereótipos infiéis que só fazem segregar ainda mais a nossa sociedade historicamente preconceituosa e alimentar a insaciável e maciça intolerância que devora gradativamente as mentes de nossos jovens... Então vou chamá-la de Cássia Gadu. (As sapatonas das antigas estão tudo de grelo acesso agora).

Muito bem, eu e Cássia Gadu começamos a trabalhar nesse pequeno negócio, ela atendendo e servindo as comidas e eu cuidando do caixa. E com o tempo fomos conseguindo mais e mais clientes. Tinha uns que vinham de outras ruas ou até de bairros próximos só para provar do nosso tacacá, mas a nossa clientela mais fiel vinha da igrejinha do outro lado da rua. Todos os varões e varoas, muitas vezes, chegavam atrasados no culto por estarem comendo na nossa banquinha ou saíam cedo demais da igreja.

Era um sucesso, mas enquanto enchíamos nossos bolsos com dinheiro, os pastores e pastoras esvaziavam as caixinhas dos dízimos para, ora pasmem, reformar a igreja, na intenção de atrair os fiéis para dentro. Um lugar que não via um prego desde o Ciclo da Borracha, agora brilhava com as paredes pintadas e poltronas confortáveis. Até ar-condicionado colocaram, e não sei vocês, mas aqui no Amazonas se não fosse esse aparelho, já teríamos criado guelras, pois só vivendo dentro do rio para suportar tamanho calor infernal.

Igreja reformada, pastores orgulhosos e varões e varoas admirando a casa de Deus com uma tigelinha de tacacá nas mãos e cantando louvores com a boca travosa de jambu. Nada mudou, a não ser as alfinetadas que eu e Cássia Gadu levávamos dos pastores, que ficaram mais frequentes. Durante os cultos, a todo momento podia–se ouvir frases como:

“Esses homossexuais e essas prostitutas irão pagar pelos seus pecados” ou “irmãs, não deixais influenciar pelas mulheres da vida. Protegeis seus maridos das biscates que andam por aí com roupas curtas, vulgares” ...

Eu ouvia isso e olhava para o meu look: blusa transparente, sutiã a mostra, decote até o umbigo e shortinho socado na bunda.

– Será que essa fulera tá falando de mim, Cássia Gadu? – disse eu, certa vez.

– Acho que não, tem um monte que anda assim por aqui.

“As mulheres masculinas que profanam a feminilidade, ignoram vossos ventres e assumem os papeis dos homens. Que atraem nossas meninas para esse antro de depravação, irão pagar no quinto dos infernos!”

– Aí, Cássia Gadu, agora tão falando de ti, ó.

– Gabi, eu não vou levar isso pro lado pessoal, né? Mesmo porque eu não sou a única lésbica que existe em Jorge Texas.

– Mas é a única da rua.

– Hum, mas isso é o que tu acha.

– Ah claro! E como é que vai a Rutinha, aquela girina linda e... O que mais? Ah sim, menor de idade?

– Ai, para! Ela tem quase dezesseis.

– Assim como tu tem quase trinta.

– Égua! Shht! E daí? De qualquer forma, não sou tão sapata como a pastorazinha tá falando.

– O que? Vai comer homem agora também? Tu não perdoa, né, mirmã?

– Eu não! Deus que me livre! O que eu tô dizendo, coisa, é que tem vários tipos de sapatonas, e eu não me encaixo na descrição que estão fazendo aí.

– Querida, você é tão lésbica, mas tão lésbica, que merecia ter a letra do teu nome na sigla LGBTQIA+CARALHOS A QUATRO.

– Te fode, então, caralho.

– Eu ia retribuir a ofensa, mas já sei que tu vai fazer isso daqui a pouco com Rutinha eu mandando ou não.

As indiretas passaram a ser mais diretas, só que eu e Cássia Gadu não ligávamos, pois, dinheiro no bolso, paz no coração. Disque “dinheiro não traz felicidade”, mas paga o agiota.

Só que aí, meus amores, chegou a fatídica noite de domingo em que um certo rapaz saiu daquela igrejinha, trajando o uniforme clássico de varão: terno duas vezes o seu tamanho, cabelo brilhando com o gel escorrendo pela nuca, uma bíblia com a borda douradinha embaixo do braço e o inconfundível perfume de flor de cemitério no ar. Que varão, senhoras, senhores e senhorus, que varão! – Crentes, é zoeira. Parem de se levar tão a sério e comecem a rir mais da falta de gosto para moda, estamos na mesma arca.

Ele veio até a nossa banquinha e falou com certa intimidade com Cássia Gadu. Pediu um tacacá e se sentou com os amigos em uma das mesinhas que dispomos para os clientes na calçada. Perguntei a Cássia Gadu de onde o conhecia e ela respondeu que ele era o filho do pastor da igrejinha e só aparecia por lá depois do culto da tarde, enquanto eu ainda estava na escola. Fiquei ali o observando discretamente por um tempo e notei que ele também me espiava de esguelha de vez em quando.

Filho de pastor... onde é que eu estava amarrar a minha égua? Não sei o que me deu, ele nem era bonito e com certeza não possuía o meu porte físico preferido – ombros largos, fordo (mistura de forte com gordo), mãos enormes, macho, macho lenhador (me julguem). Era um garoto da minha idade, magro que só a capa da gaita e com cara de abestado, mas não sei, talvez pelo o fruto proibido ser o mais apetecido, o instinto piranha apitou.

Eu precisava comer o pastorzinho. Eu precisava botar minha Madalenazinha para receber aquela benção (nota: só fiz essa piada para não ter que fazer essa outra: “Varão, me chama de arrebatamento que eu te levo aos céus”. Eu sei, brega demais, só não é pior que essa outra: “Varão, não posso abrir o mar vermelho como Moisés, mas posso abrir outras coisas”. Ok! Chega! Sou péssima nisso. Hum... Só mais uma: “Gato, bora ali em casa pra você me explicar o significado de varão”. Parei!). Só que eu tinha que escolher uma boa estratégia, pois estamos falando de um crente aqui, prato inédito até então para mim. Resolvi escolher o plano mais manjado da face da terra: se fazer de besta. Sabe quando você sabe que a pessoa gosta de você, mas você fica agindo como se não soubesse? Pois é isso. É, eu sei que sempre a melhor opção é botar pra cima, mas entendam, eu só queria comer do fruto proibido, não ser exorcizada.

Pois bem, fiquei ali o olhando de trás do balcão, exalando toda a minha sensualidade no ato de limpar alguns potes, sorrindo para tudo e olhando para o nada igual lesa, alisando delicadamente a garrafa de café com uma flanela para cima e para baixo, quase fazendo uma espanhola. Ele me olhava de relance enquanto conversava com os colegas e eu só pensando: “Isso mesmo, pastorzinho, isso porque é só na garrafa de café, espera pra ver o que eu faço com o teu cajado”.

Aliás, já perceberam que um critério indispensável para mulheres, quando o assunto é seduzir, é fingir que tudo o que você faz é delicioso? Não importa o que, não importa onde, TUDO tem que parecer delicioso:

“Oh, meu Deus, que gostosa é esta brisa gélida em minha face!”;

“Oh, que maravilhosa sensação é varrer estas bitucas de derby, segurando este cabo de vassoura cheiro de farpas!”;

“Oh, my God! Que deliciosas são estas cento e cinquenta picadas de carapanã em minhas pernas!”. Quem é de Manaus sabe que a época de cheia dos rios é quando Satanás abre as portas do inferno e de lá, ao invés de demônios, emergem legiões de mosquitos.

Enfim, em um determinado momento, o pastorzinho veio até a barraquinha pagar a conta.

– Oi, boa noite. É... Quanto te devo? – perguntou ele, apoiando os cotovelos sobre o balcão.

– Olá! – quem ainda diz “olá”? – Deu sete e cinquenta. – Respondi, apoiando também os cotovelos no balcão e o queixo sobre as mãos cruzadas.

"Que ridícula", pensei.

– Pô, me rouba logo! – disse ele dando um risinho.

– Um tacacá, dois pedaços grandes de bolo e tu tá achando caro? – Desculpem-me, mas podem me acusar de qualquer coisa, menos de careira.

– Não, calma, tô só brincando contigo.

"Então pode entrar no meu playground, querido".

– Desculpe, meu senso de humor é um tanto peculiar, tu não entenderia.

"E de *peculiar* leia–se *vulgar*."

– Peculiar a que ponto? – perguntou de maneira divertida, inclinando-se um pouco mais em minha direção.

– Ao ponto de eu me espocar de rir de um cara que se matou tomando cinco cartelas de dipirona por ter sido corno.

– Oh... Ham... Ok. – Gaguejou o pastorzinho, se afastando.

– Tá achando que sou uma psicopata, né? – perguntei, me inclinando um pouco mais na direção dele.

– Não, não.

– Tá achando sim... Tá com medo? – inclinei um pouco mais.

– Não, juro que...

– Por que tá se afastando? – quase subi no balcão. Admito: eu estava me divertindo.

– É só pra mim...

– Por que tá folheando a bíblia?

– Eu to só procurando...

– Proteção?

– ... meu dinheiro.

– Ah bom, ufa! Desculpa. Então já posso guardar minha faca.

– COMO É QUE É?! – exclamou ele, arregalando os olhos.

– É brincadeira, macho! Eu disse que tenho um senso de humor peculiar.

– To vendo...

(Uma pequena pausa porque essa história é boa: um cara do bairro tinha levado uns cornos da esposa, daí não quis mais viver e tomou cinco cartelas de dipirona. Não deu outra, São Pedro puxou. Daí no velório, toda a família e amigos se desmanchando em lágrimas, e de repente, tão discreto quanto Golias em uma festa de anões, o namorado da irmã do defunto solta um “Minha gente, pensem positivo! Com tanta dipirona que ele tomou, nem deve ter sentido dor pra morrer!”. Pode não parecer engraçado agora, mas até hoje a família evita falar no finado para não cair na gargalhada. Coitado do cara, quis morrer com honra, mas além de corno, virou piada. Trágico, trágico.)

Ele demorou uns segundos procurando o dinheiro dentro da bíblia, local este que, a propósito, é bem estranho para se fazer de carteira. Já pensou abrir a bíblia em Matheus 6:24 e achar sete notas de cem reais? Complicado. Mas quem sou eu para falar desses assuntos? Afinal... não tenho nem dois reais para me preocupar em ter aonde guardar.

– Bom, ham... – disse o pastorzinho enfim. – Desculpe, mas não sei seu nome.

– Gabriela Kitá Solteira.

– Perdão?

– Siqueira.

"Se não gostou do meu sobrenome, empresta o teu, querido", senti vontade de dizer.

– Ah sim. Ham... Bom, Gabriela Kitá Siqueira, eu não tenho trocado. – disse ele, puxando uma notona de cinquenta contos. – Espero que tenha troco.

"Fuleragem, já começou me fudendo e nem é no bom sentido".

– Claro, deixa só eu procurar aqui. – disse eu, abrindo a caixa de sapatos que usávamos para guardar o dinheiro.

– Sem pressa. Aliás, nunca te vi. Tu vem sempre aqui?

"Porra, pastorzinho, tu vem me aplicar essa conversa palha? Sério?"

– Não, não. Sou filha da dona, só que quando você aparece aqui eu ainda tô na escola.

– Saquei. Então tu é filha daquela mulher que fica aqui à tarde?

– Isso. De dia ela cuida da banquinha com a Cássia Gadu, mas de noite sai pro trabalho.

– Entendi, mas me diz uma coisa: como tu sabe que venho aqui se tu tá na escola? – ele levantou uma sobrancelha.

"Puta merda, Gabriela, era só para se fazer de besta, não ser uma".

– Cássia Gadu que me disse. – disse eu tentando parecer desinteressada – Sabe como lésbica tem língua grande.

– Ah sim, sei. Na verdade, não sei não, mas eu entendo. Ficaria surpresa com as fofoqueiras que tem na igreja.

– Que nada, conheço bem elas. Sabe aquela guria caveiruda que sempre usa um vestido azul ruído e uma trança toda desfiada? Aquela metida a cantora, mas que faz até surdo chorar de desgosto, num tem? Pois é, essa uma aí vive criando e xiringando histórias de traição pela vizinhança. Mas nem ousa citar as escapadinhas dela com o seu Rosalino, o Orelha Seca. Basta passar na frente da obra no final da rua no meio do dia pra ouvir os “glórias” que ela solta.

– Ham... É? – perguntou ele, ficando sério.

– É sim. Toda a rua sabe. E depois ainda dizem que a piranha sou eu. Só que até entendo ela, sabe? A saia facilita quando se quer dar uma rapidinha. Basta levantar a barra que é só glória.

– Então, Gabriela – nossa! Vi até o desprezo escoando o meu nome para fora da boca dele com um rodo –, essa é minha irmã.

"Fudeu, fudeu. Abandonar a arca!"

De tantas piranhas para falar, escolhi logo a irmã do boy. Por que não falei de dona Divinéia? A grande iniciadora dos cabacinhos da rua. Não, ele poderia ter sido um deles. Ou então da velha Maria Martinlurdes, que quis pagar para que Cássia Gadu lhe desse um trato. Cássia Gadu nunca me disse se aceitou ou não, mas comprou um celular novo, pagou as contas de água e luz, e ainda me levou ao McDonalds, então... Ou melhor, por que não só fiquei de boca fechada? Enfim, a merda estava feita e a partir daí essa conversa só poderia ter dois rumos:

a) ele fica puto e cai fora;

b) ele fica puto, me dá um sermão e cai fora.

Se fosse a primeira opção, eu o acharia meio fresco, mas entenderia. Já se fosse a segunda, juro que o meu tesão se tornaria em um desejo homicida.

– E... Eu, não, ham, desculpe, eu... Não... – O que se fala numa situação dessas? “Me desculpe”? Ou um “É isso aí, meu filho, tua maninha deu uma tabacada nervosa no pedreiro”?

– Só me dá meu troco, por favor. – disse ele, impaciente. Ok, foi a primeira opção, mas precisava ser tão grosso?

"Alerta vermelho! Alerta vermelho! Boy pistola escapando do bote! Medida desesperada! Manobra de emergência!"

Meus “divertidamentes” estavam socando uns aos outros nesse momento.

– Claro, tudo bem. Toma aqui seus quarenta e dois reais e... Ah, poxa! – falei enquanto olhava a caixa de dinheiro.

– O que houve?

– Não tem cinquenta centavos aqui dentro. – Na verdade, tinha sim – Mas deixa eu ver... Sempre guardo uma moedinha por aqui. – disse eu, abaixando levemente o decote e enfiando o dedo dentro do sutiã de renda. O pastorzinho arregalou os olhos. Não o julgo, meus seios eram incríveis. Até hoje não envergonho.

– Não, não precisa. Fica com o tro...

– Tem, tem sim, deixa só eu achar. Fica aí! – Eu sei, parece uma medida desesperada, até porque é mesmo, mas paciência nunca foi bem meu o forte e meus seios são amigos indispensáveis, se tenho algum problema, eles resolvem. Minha mãe não entende até hoje como o açougueiro e o padeiro perdoaram nossas dívidas.

Mas falando sério, vocês podem estar aí me julgando e achando que eu não passo de uma tarada vulgar, mas entendam que na época, eu só tinha quinze anos. Quem é gente aos quinze anos? Você também deve ter feito merda aos seus quinze anos. E se não fez, é porque ainda não chegou nessa idade (e por sinal, você nem deveria estar lendo esse texto, vai ler uma Turma da Mônica ou assistir um Lucas Neto, vai!). Admito que se fosse hoje em dia, com a mulher madura e centrada que me tornei, eu teria sido mais inteligente e feito diferente... Eu abriria minha blusa toda, ora!

Pois bem, enquanto eu revirava o sutiã atrás de cinquenta centavos que tinha guardado lá mais cedo, Cássia Gadu se aproximou.

– Algum problema? – perguntou ela olhando meio confusa para mim e para o pastorzinho.

– Não, tudo bem por aqui, tô só procurando cinquenta centavos pra dar de troco. – Respondi lançando o meu olhar de “espoca daqui e deixa que eu resolvo” para ela.

Entretanto, parece que ela não percebeu, pois puxou a caixa de dinheiro e abriu.

– Mas Gabi, tem aqui dentro.

"Ah, lazarenta!"

– Sério? Mas como? Acho que eu não tinha visto. – "Cássia Gadu, mulher, evapora!", implorei mentalmente.

– Como não viu? O que mais tem aqui é moeda de cinquenta centavos, olha! – ela empunhou umas cinco moedas de cinquenta centavos e as jogou novamente dentro da caixa.

– CÁSSIA GADU, meu anjo... Não tem nenhum bife pra tu bater na casa da Rutinha não? – Por sorte, um dos colegas do pastorzinho o chamou no exato momento em que virei para Cássia Gadu e usei o meu olhar de “se não vai ajudar, pega o beco”. Ela pareceu entender agora, pois usou o olhar de “eu sei o que tu tá fazendo e não vou ficar aqui pra ver como vai acabar”.

– Quenga. – disse ela baixinho enquanto se afastava.

– Machuda. – Resmunguei.

Nessa época a palavra “sororidade” ainda não tinha ganhando o manstrim, então a desunião entre mulheres ainda era um problema. Não que hoje em dia seja muito diferente, já que essas putas que se dizem feministas ao invés de estenderem a mão às outras mulheres que ainda são oprimidas e subjugadas, preferem correr atrás dos homens no tweeter para dar aquela famosa “lacrada”. Sabe aquela frase “Deus abomina o pecado, mas ama o pecador”? Pois é, no nosso caso é “condena o errante, ao invés do seu erro”. Aqui é “Morte ao pênis!” e foda-se. Afinal de contas, é mais fácil bater numa criança do que educá-la, não é mesmo?

E tendo dito isto, percebo que também acabei de lacrar (Enfim, a hipocrisia). Onde eu estava? Ah sim! Bom, apesar de que os princípios feministas ainda fossem obscuros para mim nessa época, entre mim e Cássia Gadu as palavras “quenga” e “machuda” ou “sapatão” não eram exatamente adjetivos pejorativos, quer dizer, dependendo do contexto:

▪️ Mana, tu tá tão quenga! = Você está linda.

▪️ Sua quenda! = Sua dissimulada, arrogante, metida, raça ruim, filha da puta.

▪️ Gente, que sapa! = Que exemplo de mulher segura de sua sexualidade e poder.

▪️ Sua machuda! = Pingueluda, intrometida, escrota, filha da puta.

Só amor.

– Achei! Aqui, ó! – disse eu me virando para o lugar onde o pastorzinho estava. Mas ele tinha se mandado. Fiquei ali com cara de lesa segurando a moeda.

"Será que foi arrebatado?" Não, as roupas teriam que ter ficado. Mas o lugar estava vazio, inóspito, a não ser pelo cheiro ácido de flor de cemitério pairando no ar. "Será que ele ficou impaciente?" Perguntei-me. Bom, era compreensível. Quem gosta de ter uma conversa interessante, com uma bela jovem, interrompida? Ah, maldita seja Cássia Gadu!

Fosse o que fosse, eu ainda tinha um motivo para vê-lo novamente: devolver os cinquenta centavos.

Continua...

Thaíssa Henrique
Enviado por Thaíssa Henrique em 05/03/2021
Código do texto: T7199317
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