HOMEM DE PALAVRA

Ronaldo José de Almeida

Jovelino, homem de mais ou menos cinqüenta anos, tomava umas talagadas da sua cachaça preferida, na birosca de João Sabiá. Recostado numa sela velha, no canto do balcão, segurava com uma mão o copo e com a outra um pedaço de lingüiça espetada no palito.

Na rua poeirenta, alguns cachorros, magros, comiam o que lhes atiravam as pessoas de dentro do estabelecimento. Do lado de fora da porta, o comerciante colocou um vasilhame de água para matar a sede dos caninos que por lá pululavam.

Jovelino pediu outra dose. Foi no exato momento em que parou uma caminhonete, dela descendo Ataliba, um senhor de meia-idade, que se adentrou.

- Uma garrafa de água mineral, por favor.

- Não temos senhor, pode ser uma Coca-Cola? – respondeu João Sabiá.

- Não tem água mineral?

- Não senhor, aqui ninguém compra água – explicou-lhe o proprietário.

- Então abra a Coca-Cola.

- Escute moço, como faço para chegar à Fazenda Estrela? – indagou-lhe o estranho.

- O senhor pode seguir adiante. Daqui a uns trinta quilômetros, tem uma entrada à esquerda. Entre nessa estrada e siga mais uns vinte quilômetros e chegará à fazenda.

Jovelino, que a tudo ouvia, entrou na conversa:

- Olhe, moço, se o senhor quiser, eu lhe ensino o caminho.

- Muito bem, entre no carro e vamos – aceitou o outro.

Algum tempo depois, ambos estavam na propriedade rural almejada.

Ao ouvir o barulho do carro, o Sr. José Tranquilino saiu da casa para ver quem chegava.

- Mas vejam só! São o Jovelino e o Ataliba! Surpresa agradável! Vamos entrar e tomar um café!

- Sinhá – disse mais, voltando-se para o interior da moradia - veja quem está aqui! Os nossos amigos Jesuíno e Ataliba.

Sinhá, a esposa do fazendeiro, abriu a porta, ali surgindo muito sorridente. Bloqueava a luz solar, com o que se formava uma sombra pousando sobre a soleira. Com um gesto, ela os mandou entrar.

Após o café regado a biscoito, queijo, pamonha e bolo, Ataliba iniciou a conversa:

- Mas então, José Tranquilino, juntou o gado?

- Claro, Ataliba. Bem cedinho os vaqueiros agregaram todo gado – foi a resposta do seu interlocutor.

- Então podemos ver?

- Vou mandar trazer os cavalos. Você também vai com a gente, Jesuíno?

- Não posso, meu amigo, tomei umas biritas. Se eu montar posso cair. Assim, vocês não vão importar-se por eu ficar por aqui esperando – foi a forma de recusa de Jesuíno.

- Tudo bem, Jesuíno. Na hora do almoço estaremos de volta.

O fazendeiro e Ataliba montaram seus cavalos e foram ver o gado, que estava um pouco distante. Tinham volta previstas para a hora do almoço.

Jesuíno, lá na casa ainda um pouco embriagado, porém não a ponto de cair, começou a conversar com a senhora:

- Sinhá, você não fica velha mesmo, não é? Há tanto tempo casada e continua bonitona.

A esposa do fazendeiro, com efeito, estava em grande forma. Beirando os quarenta anos, mostrava-se com o corpo bem feito, cabelos lisos e negros e pele sem aquelas marcas normais do tempo.

Ouvindo os elogios do amigo, a mulher, que estava ao lado do fogão olhando as panelas, não se desconcertou. Mostrou não mais do que um leve rubor, respondendo ao outro:

- Você acha mesmo tudo isso que falou, Jesu?

- Claro que acho, Sinhá. Você parece uma moça, dessas de novela, é bonita demais. Você deixa qualquer homem louco.

- Minha Nossa Senhora, você falando assim eu penso que é verdade Jesuíno.

O homem levantou-se e chegou pertinho da esposa do fazendeiro, colocou o seu braço sobre o ombro esquerdo dela, sussurrando-lhe:

- Vamos namorar?

- O quê? Não entendi Jesuíno.

- Estou lhe chamando para namorar, dar uns beijinhos, vamos para o quarto, vamos?

- Olhe, Jesuíno, como estou casada, devo satisfação ao meu marido. Tudo que eu faço, eu lhe digo. Assim que ele chegar eu vou lhe perguntar se posso aceitar seu convite, se ele disser que posso aceitar, então eu faço com muito gosto.

Jesuíno, diante daquela reação que não esperava, recolheu imediatamente o seu braço e virou os olhos para um dos lados. Buscando acalmar-se, saiu para dar umas voltas do lado de fora da casa, ciente da valentia de José Tranquilino, apesar de o seu nome sugerir o contrário. Volta e meia a mulher olhava pela janela, observando a inquietude do homem, com um sorriso zombeteiro.

Com a volta do marido e o visitante, Sinhá colocou a mesa para o almoço, onde saborearam um delicioso frango ao molho pardo. O ex-galanteador Jesuíno nem olhou, perdera inteiramente o apetite.

Em seguida, a dona da casa serviu como sobremesa, doce de mamão ralado com coco. Aquele que até há pouco tempo a galanteava recusou-se novamente a provar.

- O que você tem, Jesuíno não vai comer? – indagou Sinhá, ironicamente.

Bebi muito. Não estou passando bem. Não se preocupem, não. - Sinhá, manda fazer um chá de boldo bem forte para o Jesuíno, assim ele melhora logo – recomendou o fazendeiro.

- Não precisa não, logo eu melhoro, Dona Sinhá!

- Não é trabalho nenhum, Jesuíno. Espere um pouco.

Dona Sinhá foi à cozinha e mandou a empregada fazer o chá. Poucos minutos depois Jesuíno bebia o remédio, fazendo uma cara horrível.

Sinhá a tudo assistia, sorrindo baixinho.

Todos conversaram muito, menos Jesuíno, que se manteve amuado. Não conseguia sequer olhar o amigo devido ao medo que sentia.

O marido pediu à esposa que servisse um cafezinho, no que foi atendido.

De repente, Sinhá parou perto da porta e disse:

- Zé, o Jesuíno me fez uma proposta e eu quero saber se posso aceitar?

Todos olharam para Jesuíno, o qual demonstrou uma repentina palidez e tremores, como que desejoso de clemência da parte daquela mulher.

- Pois não. Diga qual a proposta que lhe fez o nosso amigo!

- Ele disse que paga trezentos reais pelo jegue manco – esclareceu sua esposa.

Sem esperar resposta do fazendeiro, Jesuíno levantou-se, retirou a carteira do bolso de trás da calça, estendeu o braço com o dinheiro na mão na direção do fazendeiro, proclamando-lhe já aliviado:

- Falei e garanto! Pago à vista!

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RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA
Enviado por RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA em 28/10/2007
Reeditado em 18/12/2007
Código do texto: T713233
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