A jogatina dos turcos*
Sêo Jorge era figura de proa da comunidade libanesa de Anápolis, no final daqueles anos 40. Comerciante de secos e molhados, tinha uma boa freguesia no armazém, e um círculo amplo de amizades. Gostava dum joguinho, que à época, com um novo delegado na cidade, embora praticado à surdina, era atividade um tanto arriscada.
Numa determinada noite, uma batida policial de surpresa, liderada pelo delegado, flagrou, na sala dos fundos do armazém, rodeado de três amigos, Cheib, Chadid e Jamal, o anfitrião Jorge, com um maço de cartas na mão, e um montinho de bagos de milho numa tigela.
O delegado resolveu fazer a abordagem verbal ali mesmo, interrogando cada um dos presentes sobre o que fazia ali, naquele recinto, naquele instante, passadas já as onze e meia da noite...
Cheib foi resoluto:
Eu vim aqui bater um papo com meu compadre Jorge, como faço frequentemente. Como o senhor sabe, delegado, eu estou viúvo há uns anos e achando tão vazias e tristes as minhas noites, e venho aqui bater um papo mode de distrair um pouco...
Chadid não foi menos enfático:
Eu vim atrás de um remédio. Bicarbonato. A mulher não está se sentindo bem, e a acidez de seu estômago tem provocado incômodo e, sobretudo flatulência incontinente. E só aqui no sêo Jorge é que tenho a liberdade de bater a essa hora...
Jamal não deixou por menos:
O senhor sabe que o vício de cigarrear não me deixa, mesmo com as rezações e promessas de minha santa mulher, e o fumo de rolo goiano de qualidade, eu só encontro aqui no sêo Jorge...
E a pergunta veio para o anfitrião, colhido de cartas na mão...
- O senhor, está jogando, seu Jorge?
Jogar com quem, doutor? Eu gosto é de fazer uns truques com as cartas, como adivinhar coisas do futuro...
E, sem desistir, o delegado rematou, tentando dar o cheque-mate:
E o milho aí na mesa, senhores, para quê:
Uníssonos, os companheiros responderam:
Milho pipoca, doutor. De excelente qualidade. A pipoca nos acabamos de comer uma baciada, o que sobrou aí é o restinho de piruá... Mas se o senhor quiser experimentar, e dar pra rapaziada aí, eu faço mais uma caçarolada.
O delegado agradeceu a gentileza e conduziu os cavalheiros à delegacia para depoimentos, liberando todos no meio da madrugada.
Na manhã seguinte, Jorge obteve uma confissão, em casa mesmo. A mulher, querendo tê-lo mais perto de si, cheia de amor e compaixão, fora a autora da denúncia anônima...
Desde então, a jogatina, discretamente, mudou de endereço. Mas não passava das 10 da noite...
(* a partir de uma anedota contada por Lindbergh Aziz Couri, líder empresarial, jogador inveterado - de futebol - e Senador pelo Distrito Federal)