Entrevista com o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito - parte 5 de 5 - publicada no Zeca Quinha Nius

ENTREVISTADOR: Mas a crise econômica, senhor candidato, prejudicará muita gente.

ZERO À ESQUERDA: É óbvio! É uma crise econômica; e crises econômicas prejudicam muitas pessoas, mas não todas as pessoas; as pessoas que não forem prejudicadas pela crise econômica provocada pelo coronavírus, bichinho pequeno, muito pequeno, minúsculo, muito minúsculo, invisível a olho nu, não irão reclamar; reclamarão apenas as prejudicadas; e, saiba, muitas pessoas prejudicadas não se sentirão prejudicadas; então, terei de ouvir quatro tipos de pessoas: as que, sendo prejudicadas, sentem-se prejudicadas; as que, não sendo prejudicadas, sentem-se prejudicadas; as que, não sendo prejudicadas, não se sentem prejudicadas; e as que, sendo prejudicadas, não se sentem prejudicadas. E após ouvi-las, determinarei as políticas que atenderão aos meus interesses políticos.

ENTREVISTADOR: E quantos aos empregos!?

ZERO À ESQUERDA: Que que tem!?

ENTREVISTADOR: Muita gente recorre às agências de emprego e ao departamento municipal de amparo ao trabalhador, e tambêm ao estadual, e ao federal, à procura de emprego. Desempregados em decorrência da epidemia, vivem de benesses estatais, que exigem recursos com os quais os governos estaduais, o governo federal e os governos municipais não contam.

ZERO À ESQUERDA: Entenda, caro entrevistador: os índices de desemprego estão elevados porque as pessoas, à procura de emprego (refiro-me às desempregadas), recorrem às entidades privadas e públicas, e nestas cadastram-se; assim, desenho, para que você entenda, inflam os dados colhidos por tais entidades, que as reúnem num banco de dados, e todos nos alarmamos com a quantidade de pessoas desempregadas, o que nos dá incômoda sensação de insegurança e desesperança, que nos inibe, desanima, constrange e tortura. Diante de tão negativo cenário, gritante em sua crueza, terei de tomar uma, e apenas uma, decisão: proibir as pessoas desempregadas de recorrerem aos órgãos, públicos e privados, de auxílio aos trabalhadores; com tal medida, não teremos como saber quantos são os desempregados; sendo assim, não terei com o que me preocupar; afinal, não havendo estatísticas oficiais acerca dos desempregados, não haverão desempregados. E veio-me à mente uma idéia genial. Decretarei a destruição do banco de dados oficial concernente aos dados econômicos municipais. Sem tais dados, que inexistirão, não existirá crise econômica, e tampouco desemprego, e nem empresas falidas, e menos ainda rombo nas contas públicas. E a crise econômica será apenas um detalhe nos discursos de gente desavisada, de má-fé, de gente que terá apenas um objetivo: prejudicar a minha carreira política. E antes de conceder a você a palavra, digo que já se estendeu demais a entrevista.

ENTREVISTADOR: Vamos, senhor candidato, ao pingue-pongue. Eu digo uma palavra, e o senhor diz o que ela ao senhor inspira.

ZERO À ESQUERDA: Vamos lá.

ENTREVISTADOR: Futebol.

ZERO À ESQUERDA: Gramado verde.

ENTREVISTADOR: Mulher.

ZERO À ESQUERDA: Espinafre.

ENTREVISTADOR: Carro.

ZERO À ESQUERDA: Casca de laranja.

ENTREVISTADOR: Escola.

ZERO À ESQUERDA: Campo de várzea.

ENTREVISTADOR: Robótica.

ZERO À ESQUERDA: Meleca.

ENTREVISTADOR: Farmácia.

ZERO À ESQUERDA: Fumaça.

ENTREVISTADOR: Estátua.

ZERO À ESQUERDA: Tijolo.

ENTREVISTADOR: Obrigado por nos conceder a entrevista.

ZERO À ESQUERDA: Rosbife.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, já encerramos o pingue-pongue. Agradecemos ao senhor a sua disposição para se dedicar integralmente à entrevista durante cujo andar o senhor se dispos a se pôr a nosso dispor.

ZERO À ESQUERDA: Disponha. E que o Zeca Quinha Nius desempenhe, com imparcialidade, o seu papel jornalístico, e não publique matérias que favoreçam os meus concorrentes e me desfavoreçam. Sejam profissionais.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 06/11/2020
Código do texto: T7105581
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