Pérolas do Cotidiano - Educando o pimpolho.
O "causo" se passou na década de 50. Não sabemos bem precisar o ano. À época, o Dr. Lameirão morava em uma rua, perto do Largo do Marrão (Niterói-RJ), que se chama Nilton ou Newton não sei de quê. Ele tinha somente um filho, com mais ou menos uns dez ou onze anos, que recebeu na pia batismal o nome de Carlos Acir, em homenagem ao padrinho, Acir Carlos. O moleque não era flor que se cheirasse. Pintava e bordava, deixando o doutor e esposa, não raro, com os cabelos em pé. O pimpolho era mesmo da pá virada, fazendo, um dia sim outro também, estrepolias do arco da velha. De todas as peraltices que, diga-se de passagem, executava com mestria, a preferida era pular o muro de um dos vizinhos e assaltar uma cajazeira que vivia carregada de tenros e apetitosos cajás. De tanto praticar esse pequeno delito, o meninão passou a ser e até hoje é conhecido pela alcunha de CAJÁ.
A vítima, que era, obviamente, o vizinho, esperneava, reclamava, ficava fulo da vida, mas de nada adiantava. Cajá não perdoava. Não dava sossego à pobre árvore frutífera. As frutas nem conseguiam ficar no ponto de serem colhidas. Eram decepadas sem dó nem piedade, com requintes de grande satisfação por parte de Carlos Acir, um verdadeiro pirata, não dos sete mares, mas de um só quintal, onde, o que era tomado de assalto não era um insignificante e reles navio mercante, mas, sim, uma majestosa e imponente cajazeira.
A esposa do Dr. Lameirão jamais deixava de transmitir ao Chefe da casa os insistentes apelos do vizinho, no sentido de que fossem tomadas severas e urgentes providências para se pôr fim a tal estado de coisas. E o doutor não negava fogo. Pegava o peralta pelas orelhas, puxava o danado para um canto e sapecava-lhe umas boas chineladas no traseiro. Mas de nada adiantava. No dia seguinte, tudo se repetia. O garoto não podia mesmo resistir a um bom cajá. Não era qualquer chinelo que resolvia a questão. O vizinho, por não saber mais a quem recorrer, desistiu, ficou de quatro, botou a viola no saco, deu a batalha como perdida, capitulou.
Como a pressão arrefeceu, Cajá passou a colher as frutas que lhe emprestaram o apelido com mais assiduidade ainda. Agora não era só pela manhã que ele fazia a colheita do dia. Era também à tarde. Na fruteira da casa do Dr. Lameirão podia faltar banana, laranja ou mamão mas, de forma alguma, um saboroso cajá.
Um belo dia, chegando do trabalho no habitual bonde BARCAS-LARGO DO MARRÃO e portando na mão direita um indefectível Liberty, dos ovais (o cigarro mais fumado naqueles idos de cinqüenta e tal), o doutor, quando adentrou em casa, após passar uma rápida vista d'olhos pela cozinha, pediu à esposa que chamasse urgentemente Carlos Acir.
Quando o menino chegou, o Dr. Lameirão, antes de qualquer pergunta, cobriu de cascudos o moleque. Depois foram alguns safanões. Logo após, uns bons puxões de orelhas. Em seguida, um festival de chineladas no bufante do infeliz. Quando, para completar o estrago, ia ser aplicada uma sessão de bofetes, a mãe do garoto interveio, exclamando em voz alta:
— O QUE É ISSO LAMEIRÃO??? ESTÁ PERDENDO O JUÍZO??? POR QUE ESTÁ BATENDO ASSIM NO MENINO??? HOJE ELE NEM PEGOU CAJÁS NO QUINTAL DO VIZINHO!!! PODE VER, A FRUTEIRA ESTÁ VAZIA!!!
O Dr. Lameirão, todo empertigado, respondeu prontamente:
— É por isso mesmo que eu estou uma arara. E agora, com o que é que eu vou acompanhar minha cachacinha Aurora? E, dirigindo-se para Carlos Acir, ordenou: "Corre já no vizinho e descola uma meia dúzia daquelas delícias que o sal e a faca já estão na mão. Anda logo, moleque, vê se faz jus ao nome".