Nulo da Silva, candidato a prefeito - entrevista - parte 2 de 10 - publicado no Zeca Quinha Nius
Publicamos a segunda parte da entrevista que o senhor Nulo da Silva, candidato a prefeito pelo Partido Extraordinário de Inteligentes Democratas e Eminentes Intelectuais (PEIDEI - mas não fui eu) concedeu-nos. Chamados à razão, após as trocas de ofensas, como demos notícias, no encerramento da primeira parte da entrevista, já publicada, o entrevistador pôde, enfim, perguntar ao entrevistado:
ENTREVISTADOR: Os cidadãos desta cidade, como é público e notório, pagam muitos impostos, empatam, como se diz na linguagem popular, uma parcela considerável da renda com impostos, tendo, assim, reduzido o seu poder aquisitivo. Pergunto, então: O senhor reduzirá a carga tributária?
NULO DA SILVA: A resposta está na ponta da língua: Não. Irei aumentar a carga tributária. Criarei novas alíquotas de impostos, alguns impostos ocultos; enfim, farei com o que o povo pague mais impostos.
ENTREVISTADOR: O povo, senhor candidato, já paga muitos impostos, que incidem sobre 40% da renda…
NULO DA SILVA: Exatamente. 40%, e só. A renda total de cada cidadão corresponde à 100%, portanto, 60% da renda não é taxada. Taxarei estes 60% também.
ENTREVISTADOR: O povo não suportará mais impostos…
NULO DA SILVA: Suportará, sim. Menos da metade da renda é taxada, e não toda a renda. O povo reclama de barriga cheia. Você já viu, nesta cidade, um cidadão magricela, ossudo, de fome, igual aos famintos da Etiópia? Não. O povo desta cidade não está morrendo de fome. Saia às ruas, e olhe para as pessoas. Elas são robustas, e bem nutridas, e bem vestidas. As magricelas o são porque submeteram-se à dietas, a regimes alimentares absurdos, e as magrelas, e me refiro às mulheres magrelas, e não às bicicletas, porque frequentam academias e praticam pilates, e não são magras, esqueléticas de fome. E as pessoas mal vestidas têm dinheiro para comprar roupas melhores, de bom gosto; vestem-se mal, todavia, porque têm mal gosto.
ENTREVISTADOR: O povo não quer, senhor candidato, pagar mais impostos, e rejeita as propostas de elevação da carga tributária. O senhor, ao declarar, assim, tão descarado…
NULO DA SILVA: Descarado é a sua vó!
ENTREVISTADOR: Senhor candidato…
NULO DA SILVA: Não me falte com o respeito, ou mandarei os meus capangas… quero dizer, os meus advogados pôr você na linha.
ENTREVISTADOR: Peço desculpas, senhor candidato. Retomando a entrevista, o senhor, ao declarar, em alto e bom som, com firmeza, que irá aumentar os impostos, dá um tiro no próprio pé, então, por que o senhor diz que aumentará os impostos, certo de que está a pôr a sua candidatura a perder?
NULO DA SILVA: E quem disse a você que, ao fazer tal declaração, ponho a minha candidatura a perder?
ENTREVISTADOR: E não a põe a perder, não, senhor candidato?
NULO DA SILVA: Não. Não a ponho a perder, não, senhor entrevistador. Sou um político tarimbado. Sei ludibriar, como ninguém, o povo. O político bom, saiba, é aquele que declarar que prejudicará o povo, e o faz de modo que o povo não percebe, e é eleito, e cai nas graças do povo.
ENTREVISTADOR: Como isso é possível, senhor candidato?
NULO DA SILVA: A artimanha está além da sua compreensão, e da de muitos jornalistas. Explico, contando uma história, que eu inventei para ilustrar a minha atividade política. Ouça atentamente: Durante décadas dissemina-se a “verdade”: leões não existem, gatinhos inofensivos existem. Em um dia o prefeito diz: “Vou soltar, na cidade, um leão feroz.” E solta o leão. As pessoas olham para o leão, mas vêem um gatinho inofensivo. E o prefeito, tranquilo, na sua sala, despacha ordenas, enquanto o leão devora algumas pessoas, e o povo olha para o leão, e vê um gatinho inofensivo, e não vê que o leão está a devorar alguns cidadãos. Um dia, um cidadão lúcido, corajoso, diz, a plenos pulmões: “O prefeito não soltou um gatinho inofensivo. Ele soltou um leão. Vejam, o leão está devorando um homem”. E todos correm, apavorados, e reivindicam ao prefeito o imediato recolhimento do leão à jaula. E o prefeito atende à reivindicação, e o povo o aplaude, e o ovaciona. E o prefeito solta, nas ruas, outro leão, assim que a poeira abaixa, e diz: “É só um gatinho inofensivo”. E o povo olha para o leão, e vê um gatinho inofensivo. E nesse meio tempo, o prefeito, apoiado por jornalistas, blogueiros, intelectuais, artistas e professores desanca o cidadão lúcido, que alertara o povo, que, por sua vez, trata aquele que lhe dera o alerta como um doido varrido. E a história repete-se vezes sem conta.
ENTREVISTADOR: É absurdo.
NULO DA SILVA: O que é absurdo?
ENTREVISTADOR: O retrato que o senhor apresenta do povo.
NULO DA SILVA: Absurdo, é, imbecil? A minha história é uma analogia do comportamento humano. Você conhece o conto A Roupa Nova do Imperador? Preste atenção, entrevistadorzinho de araque: O povo, anestesiado, durante décadas, por discursos socialistas, comunistas, sem pé nem cabeça, que lhe destruíram a capacidade de pensar, não sabe distinguir a fantasia da realidade. E nega-se a ver a realidade quando ela lhe é mostrada. De vez em quando, sofre um surto de lucidez, que é anulado com discursos persuasivos, principalmente se proferidos por uma autoridade. Qualquer autoridade? Não. Tem de ser uma que esteja revestida de poder estatal, ou que ostenta muitos títulos, uma que a mídia vendeu ao público como pessoa independente. Geralmente, são imbecis, ignorantes e curtos de inteligência tais autoridades, mas elas têm uma aura de credibilidade, que lhe foi artificialmente posta sobre a cabeça pela mídia e pelos intelectuais. Portanto, digo que implementarei uma política que irá prejudicar o povo, que nem perceberá o mal que lhe farei, pois já perdeu a capacidade de pensar por si mesmo, e os seus cinco sentidos não apreendem a realidade. Ele sente o que lhe dizem que ele sente, e não o que sente efetivamente.
ENTREVISTADOR: A sua concepção do povo é cínica.
NULO DA SILVA: Cínica é a sua avó. Além do mais, eu não concebi o povo.
ENTREVISTADOR: O senhor é ignorante, senhor candidato. Eu não disse que o senhor concebeu o povo…
NULO DA SILVA: Ignorante é a sua avó, diabos! Dou um murro nas suas fuças, vagabundo!
Nota: O entrevistador e o senhor Nulo da Silva engalfinharam-se numa luta de gladiadores, distribuíram sopapos e pontapés como jamais se viu na história da humanidade. Para não ferir suscetibilidades, não descreverei tão lastimável cena.