BOLA PRÁ FRENTE QUE ATRÁS VEM GENTE
Aconteceu no tempo em que a bola procurava nossos jogadores de futebol em campo, como uma cadelinha amestrada a correr para lamber a chuteira de cada um daqueles atletas que deixaram maravilhosas lembranças.
Não só nos grandes jogos da capital, que hoje se vê na televisão (naquela época nem televisão tínhamos), mas também nos torneios da várzea aqui em Baguaçu.
Aconteceu que morreu um amigo morador na zona rural, no bairro Água Limpa, um sítio aqui próximo da cidade.
Era domingo e no Estádio Adhemar de Barros jogavam nosso Clube Atlético Ferroviário (quem se lembra??!!), apelidado de “Ferrinho”, contra o Guarani da cidade de Adamantina. Disputavam o título da terceira divisão do interior Paulista.
Grande clássico regional.
Ao velório fomos em quatro amigos, num fusca "pé-de-boi", pela estrada de terra, ouvindo no rádio a narrativa do jogo.
Quando chegamos ao destino o jogo estava um a zero.
Desligamos o rádio, descemos do carro e saímos a cumprimentar os parentes do falecido.
Velório de pobre, em casa, com mulheres vizinhas se confraternizando no quintal, enquanto os homens estavam fechados nas suas casas acompanhando o jogo.
Um dos amigos meu, de repente se deu conta na sala, sentado de frente ao defunto, figurante indispensável, dentro de um caixão barato, sinalizado por quatro velas desanimadas.
Sentado ao lado do morto, um velho fazia-se mudo e imóvel.
Com certeza alguém próximo da família.
Meu amigo contou que permaneceu na sala porque achou que não ficava bem sair e deixar o sujeito sozinho.
Aguardou ali paciente, atento, ouvindo que, em algum lugar da casa, alguém acompanhava o jogo de futebol, narrado por radialista entusiasmado, conhecido por Zé Minhoca, aos gritos, sinalizando os melhores lances do dérbi. Intercalando, de vez em quando, seu conhecido bordão: "bola prá frente que atrás vem gente".
Mas era um som vago, difuso, próximo ali da sala, em algum lugar não identificável, em volume baixo em respeito ao velório.
De repente, a viúva abre a porta do quarto e sai, cabelos cobertos por véu negro, como era costume naquele tempo, trazendo na face semblante de luto fechado.
Encaminha-se até o falecido e acaricia-lhe a face, curva-se e parece dizer algo no ouvido do querido.
Depois ergue-se e vira-se e meu amigo, compungido, levanta-se para cumprimentá-la pelo pesar.
No entanto, a velha se dirige apressada ao velho sentado ao lado do caixão.
Debruça-se sobre ele e diz:
_____ Bauer empatou e Mão-de-Onça acaba de pegar um penalti!
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Sajob