A JUSTIÇA E OS CANÁRIOS
Em setembro passado o judiciário brasileiro encerrou, (acho que definitivamente, com a nossa justiça a gente nunca tem certeza), encerrou um processo que já durava 125 anos, iniciado pela princesa Isabel e seu marido Conde D"Eu.
O casal postulava a posse ou a indenização do palácio da Guanabara, que consideravam sua propriedade particular.
125 anos !!
É mole?
Mas o caso não é único. Toda pessoa conhece alguém que postula alguma coisa no judiciário há anos.
É a justiça lenta, que ao dizer de Rui, não é justiça.
Depois de cinco anos o presidente Lula foi inocentado numa ação a respeito se seria ou não legal ele ministrar palestras; ou seja, se ele cometeu ou não crime.
Para quem manja um pouco de direito, (e no Brasil todos achamos que entendemos um pouco de direito, medicina e futebol), o tempo de atraso nem se justifica, haja vista que a decisão era questão apenas de "direito" e não de "fato" ou "mérito", porque não demandava produção de provas. Todos (autor e réu) reconheciam que as palestras foram dadas; questionava-se apenas a legalidade.
Neste ínterim muita coisa aconteceu, muitos foram prejudicados e muitos foram beneficiados pela demora.
Tem um poema argentino que diz com sabedoria: "O tempo é a tardança daquilo que se espera."
Ou seja, o tempo não se mede pelo relógio, mas pela tardança.
Lembrei-me, então, da história dos canários...
Um cidadão, morador de um prédio de condomínios, certo dia colocou uma gaiola com um casal de canários na porta de entrada do seu apartamento, melhor explicando, no corredor, que é propriedade comum.
Não demorou o vizinho reclamou: os canários faziam barulho, faziam sujeira, fediam, espalhavam piolhos, etc e tal.
O dono dos canários não aceitou as reclamações, o incomodado que procurasse a justiça.
E foi o que ele fez, contratou um advogado.
Para estabelecer com segurança o início do conflito, é bom memorizar que nisso de discutir, brigar, e procurar o advogado foram bem uns dois meses.
Em trinta dias o advogado entrou com uma ação para que o casal de canários fosse retirado do corredor.
Pediu cautelar, ou seja, que o juiz determinasse a retirada dos canários de imediato, depois discutir-se-ia a ação.
Em trinta dias o juiz decidiu e negou a cautelar.
Ou seja, até decisão final os canários permaneceriam no corredor do prédio.
Nesse decorrer de tempo o casal de canários chocaram três ovos e nasceram três lindos canarinhos.
Inconformado com a decisão o reclamante ingressou com agravo, ou seja, não se conformou com a decisão negativa da cautelar e pediu para o tribunal superior rever a decisão do juiz da comarca.
Entre contra razões, preparo, remessa, recebimento e protocolo passaram-se três meses (porque o cartorário foi diligente).
Neste ínterim, o reclamado arrumou mais uma gaiola para os canários que nasceram, visto que não poderia disponibilizá-los uma vez que estavam "sub judice".
No tribunal, aguardando decisão do agravo, o processo caiu na gaveta do esquecimento.
Dormiu nessa vala burocrática por um ano e meio.
Tempo suficiente para o casal de canários chocarem mais uma dezena de filhotes, que por sua vez, acasalando-se entre si, produziram outros vinte.
Somado ao casal original da ação, agora o corredor do condomínio agasalhava trinta e seis passarinhos.
Finalmente, depois de um ano e meio o tribunal decidiu que a ação não merecia ter a questão de mérito decidida antecipamente e confirmou a decisão do juiz singular. Ou seja, o processo voltou ao início.
Mas findo este período, já somavam cento e oitenta e seis canários, em noventa gaiolas sujas de merda, piolho, pena e trinados enlouquecedores.
Dai o juiz marcou audiência para ouvir testemunhas.
Cada parte arrolou três.
Mas podiam ter arrolados todo o condomínio, porque a esta altura a história dos canários já chamavam a atenção da cidade, da fiscalização da higiene e da sociedade protetora dos animais.
Aliás, o setor público da higiene e a sociedade protetora dos animais requerem litisconsórcio, o primeiro ativo (ao lado do autor da causa) e o segundo passivo, ao lado da parte requerida e defendendo o pobres bichinhos que agora se amontoavam num espaço pequeno como o corredor dos elevadores do prédio.
Expediram-se dezenas de mandados para intimação da audiência que para serem cumpridos foram entregues a um oficial assoberbado de papéis de fé pública.
Agora, já somam oitocentos e trinta e seis pássaros, em quatrocentas e tantas gaiolas fedorentas, piolhentas, a enlouquecer a todos.
Foi quando foi marcada audiência de conciliação.
Que mesmo antes de começar terminou em quebra pau na porta do fórum, na presença de repórteres do "Cidade Alerta", "Alerta Nacional", "Globo rural", "Brasil Urgente", "A hora do criador de pássaros", etc.
E nem sinal de que isso vá terminar logo;
quem sabe dure cinco anos, como a ação do Lula;
ou cento e vinte e cinco, como a ação da princesa Isabel.
Não importa...
Do prédio mudaram-se todos.
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Obrigado pela leitura;
Sajob