PERÍCIA NA FOSSA

Alguns anos antes da virada do milênio na República de Curitiba, aconteceu acirrada disputa entre uma senhora italiana e um empreiteiro. Afirmava a matrona que a fossa da sua casa (por ele construída) funcionava mal, vivia entupida e exalava um odor insuportável. Ante a negativa do acusado, criou-se um impasse e uma ação na Justiça. Após exame dos autos, o ínclito magistrado considerou indispensável uma perícia técnica. E lá fui eu, perito designado, com a nobre e preocupante incumbência de efetuar uma vistoria no local, animado com a aventura apesar do sentimento de que aquilo não estava cheirando bem...hehehehe.
Em tempos sem GPS, uma rua difícil de achar e com numeração predial descontínua, no bairro de Santa Felicidade. Já estava quase desistindo da missão quando avistei o empreiteiro e a senhora - ambos muito emburrados - em frente ao endereço procurado.
Acordo não haveria mesmo, portanto o recurso era abrir a fossa. De uma construção vizinha chamei dois pedreiros, que toparam abrir sem nada receber em troca. Mas a mulher não sabia onde era a fossa, e o empreiteiro – talvez por conveniência - dizia não se lembrar.
- O meu marido sabe, já abriu umas três vezes.
- Sério? E onde ele está?
- Dormindo, coitado, chegou tão tarde...
- Sei...por favor, vá chamá-lo!
Lá foi ela, relutante. Em poucos minutos sai o homem pela porta, sonolento e zangado. Olha, resmunga, e aponta um local no gramado. Escavação feita, eis ali a fossa, redonda e misteriosa, dois palmos abaixo do chão. A vizinhança toda se aproximando, já éramos mais de vinte, só pra ver no que ia dar.
Então, o pior de tudo, tirar a tampa. Um dos pedreiros tacou por baixo a picareta, levantando-a um pouco. O maridão, já bem acordado e por que não dizer, começando a gostar da movimentação, resolveu também entrar na dança. Sem medo de ser feliz, alçou a tampa até uma posição de equilíbrio vertical, e nela apoiou o cotovelo. Só que não percebeu que a tampa se deslocou, e num deslize...plaft..! Lá foi ele, de cabeça, pra dentro da fossa. Somente as brancas e magras canelas ficaram de fora, pedindo socorro, se debatendo em total desespero. E quem iria ajudá-lo? Ninguém em sã consciência haveria de querer com toda aquela merda sujar-se...nem eu! Valendo-me da função, ameacei de prisão os pedreiros, que assustados, puxaram o homem pra fora. Veio o infeliz, extremamente fedido, sujo, repugnante, tentando tirar com as mãos a imunda pasta que lhe entrava nos olhos. Que situação lamentável...
Mas superado o risco da sua morte, a plateia presente saboreou pra valer aquela improvisada sessão pastelão. Todas as gargalhadas foram liberadas, muitos iam ao chão de tanto rir. Até mesmo a esposa, negligenciando as promessas conjugais, gozava pra valer daquela cômica situação.
Ele entrou em casa de cabeça baixa, camuflado pela pasta marrom, deixando atrás de si um rastro tenebroso. Ressurgiu em quinze minutos. Sorriso no rosto, banho tomado, pinta de campeão. Uma leve escoriação na testa. Cheirinho bom, de sabonete Gessy.
(Marco Esmanhotto)
 
Marco Esmanhotto
Enviado por Marco Esmanhotto em 15/09/2020
Reeditado em 23/09/2020
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