Pérolas do Cotidiano - Tirando o pé do lodo.
PÉROLAS DO COTIDIANO
* Paulo Guiné – 23/10/2007 *
TIRANDO O PÉ DO LODO
Nem bem o sol raiou, o baixinho abraçou a sua inseparável pasta de cor negra como uma graúna e desceu os degraus das escadas que o separavam da esquina de Av. Sete com João Pessoa. Ali chegando, plantou-se ao lado de um poste da mesma cor da pasta e ficou mais atento do que juiz de linha em jogo de voleibol (nas finais de campeonato da Liga Mundial, naturalmente).
Duas horas depois, lá continuava o nosso personagem, impassível, parecendo uma estátua. Se ele estivesse de braços cruzados e com a genitália ao léu, alguém poderia pensar tratar-se do nosso querido Araribóia. Mas não estava. No máximo, poderia ser confundido com o índio Sexta-feira, amigo do finado Robson Crusoé, de saudosa memória.
Lá pelas tantas, foi chegando a turma da birita, que faz ponto, um dia sim, outro também, na birosca do comerciante conhecido como Dom Luiz. Tão logo a roda se formou, a figura esdrúxula e imponente do baixinho, imóvel na esquina, monopolizou completamente as atenções. O que será que aquela peça fazia ali, tão estática quanto um manequim em vitrina de loja de modas falida ?
— Dizem que está esperando o irmão. Vamos chamá-lo, para esclarecer o assunto (falou Antônio, o jornaleiro).
Instado para que dirimisse as dúvidas dos presentes, assim se pronunciou o principal protagonista desta narrativa, com toda a ênfase que o histórico momento exigia :
— VOU NO BANCO !!!
Com a mesma rapidez que chegou se foi, voltando à posição inicial, ou seja, inerte, junto ao mesmo estandarte de ferro fundido, fincado verticalmente no solo.
— Creio que ele vai ao banco de dados. Deve ser para atualizar toda aquela parafernália que carrega na pasta, disse Lamego, sorvendo um gole de seu inseparável conhaque.
— Nem pensar. Acho que ele se referia a algum banco de areia. Talvez ele tenha um iate que encalhou nesse tal banco, interveio na conversa um estranho, desconhecedor da dureza do baixinho.
— Do jeito que ele olha tão fixamente para o início da avenida, penso que o banco de olhos é a sua meta. Para ver melhor, ele deve querer implantar um terceiro órgão da visão em plena testa, tornando-se, assim, um Ciclope da era moderna, plagiando aquele gigante da mitologia grega, obtemperou Manoel, o sabido.
— Você tem a imaginação muito fértil, exclamou Simões, proprietário de uma firma de consertos diversos, com sede no asfalto. O baixinho deve estar-se dirigindo ao banco de sangue para fazer uma doação para a D. Julieta, aquela senhora que mora aqui na rua e que vai ser operada brevemente.
— A circulação alcoólica dele não permite esse gesto altruístico, Simões, ponderou Léo, sócio minoritário da “firma”. Acho que esse “rapazinho” andou fazendo algumas das suas. O destino dele deve ser mesmo o banco dos réus.
Nesse momento, as considerações que a roda de desocupados tecia foram interrompidas com a parada, junto ao poste que o baixinho ocupava, de uma Brasília 78, no volante da qual estava aboletada uma morena de fechar o comércio. Nosso personagem principal abriu um sorriso de orelha a orelha, denunciando, claramente suas intenções.
* * *
No dia seguinte, quando o baixinho mal deu às caras na esquina, o pessoal não se conteve, indagando, em coro:
— SEU TREMENDO MANGANÃO !!! SEU BARBA RUIVA DO BAIXO ICARAÍ !!! DISFARÇANDO, DIZENDO QUE IA AO BANCO, HEM ???
— Disse e cumpri. Eu não falei que ia ao Banco. O que eu afirmei é que ia no banco. E fui. No do carona, vocês não viram ???
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