Ferreirinha, O Penetra

Nos tempos da tertúlia, era comum os pais deixarem os filhos abrirem a porta da casa pros amigos, pra dançarem ao som de radiola. Era uma reunião familiar, onde podia ir o amigo do amigo, uma maneira inteligente dos pais conhecerem o perfil de amizade dos filhos. Todos eram bem vindos, isso se alguém do círculo de amizade tivesse convidado...

Sábado à noite, eu e Cely nos pegando quase em pecado no Jardim lá de casa, pois o jardim do Éden tava espestado de cobras e eis que me aparece o Ferreirinha. Sem se importar com nossa cena mais que romântica, faz o convite; Claudo, tou a fim de dar uma volta pra ver se encontro alguma coisa interessante pras bandas do centro, vamos comigo? Olho pra Cely e pergunto; Vamos? Ela responde; Não vou e você também não!!! Olho pro Ferreirinha e digo; Adoro mulher que gosta de mandar. Ferreirinha vou só trocar a cueca.

Entro em casa, vou no banheiro, passo um pouco de Rastro no pescoço, braços e peito, volto e vou me despedir da Cely com um beijo. Até hoje tenho o lábio inferior partido...

Pegamos o ônibus Conjunto Ceará 4* etapa, cuja parada na época era na praça José de Alencar, mas por inconsequência de Ferreirinha, que não tinha dinheiro pras passagens e como ele convidou, saí desprevenido, aproveitamos a entrada de alguns passageiros e descemos pela porta traseira depois do cruzamento da Avenida Carapinima com Treze de Maio. Tudo isso sob os xingamentos do trocador. Eu, minha vergonha e as risadas de Ferreirinha, ficamos vagando por várias ruas daquele bairro meio burguês, nas proximidades da reitoria, olhei no relógio e já se aproximava às nove horas. Então veio a preocupação de ter de voltar pra casa a pé, pois além de não ter dinheiro pro ônibus, estes não rodavam após meia noite. Foi então que ouvimos uma música internacional que vinha de uma rua paralela aquela que estávamos.

Claudo, vamos ver onde é. Diz Ferreirinha. Naquela altura pra mim tanto faz como tanto fez, nem respondi, apenas segui a música. Chegando no local, Ferreirinha falou alguma coisa no ouvido de uma garota, ela entrou na casa e trouxe um rapaz magro de óculos com ar misturando inteligência e embriaguez poética, ele nos abraça e diz; Sejam bem vindos, eu sou o irmão da Tetê, ela pediu que eu recebesse vocês, meu nome é Airton, vamos lá pra dentro, que aqui o som tá muito alto. Nós entramos até o quintal, onde tinha uma mesa com várias pessoas ao redor, então ele falou; Pessoal quero apresentar os amigos da Tetê... Então olhou pra mim, apontou e disse, esse é o... Eu compretei; Claudo. Olhou pro Ferreirinha, apontou e ele completou; Ferreirinha. Então apontou pra uma bela jovem sentada na mesa e disse; essa é Sonia, minha esposa, o cabeludo com cara de maconheiro é meu amigo Moita e o bonitão ao lado dele é meu irmão Vessillo, fiquem a vontade, vou pegar cadeiras pra vocês, só um instante. Voltou com dois tamboretes. Sentamos, cerveja, cachaça, tiragosto e o cabeludo com cara de maconheiro olha pra gente e pergunta; Vocês fazem o que da vida? Fico calado, Ferreirinha responde; Eu sou vagabundo. Risada geral.

Sonia diz; Olhaí Moita, um dos teus. O cabeludo diz; Taí que eu morro de inveja de você. E o caladão com cara de culpado? O que ele faz? Ferreirinha não me deixa sem resposta; Ele é meu ajudante. Moita diz; parece que a conversa promete.

Uma deusa morena entra em cena e pergunta; Quem são esses caras?!! Aírton responde; Tetê, pensei que fossem seus amigos!!! Ela diz; Nunca vi eles na minha vida. Eu constrangido, Ferreirinha fingido, diz; Também não te conheço, estava procurando a casa da minha prima Tetê e me disseram que era aqui!!! Mais nem morta que sou sua prima, responde a morena com fogo nas ventas. Ferreirinha responde no mesmo tom; Mas não é mesmo!!! A Tereza pode não ser mais bonita que você, mas é muito mais educada. Então olha pra mim e diz; Vamos embora Claudo, essa não é nossa Tetê. Saímos sob o olhar incrédulo dos presentes.

Passamos a noite na praça José de Alencar esperando o primeiro ônibus.

Descemos no Conjunto Ceará da mesma forma que descemos no centro.

Cely nunca mais quis saber de mim.

Apesar de fazer várias tentativas de encontrar aquela rua, nunca mais vi a morena com fogo nas ventas.

Recentemente ganhei um livro de poesias e reconheci o nome e a foto do autor como sendo o Aírton, aquele rapaz magro de óculos.

Ferreirinha foi correr trecho pras bandas do Pará e voltou casado, embora o casamento não tenha durado, afinal ele é o Ferreirinha.

Claudo Ferreira
Enviado por Claudo Ferreira em 28/08/2020
Código do texto: T7048814
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