Ferreirinha, Maria Antonieta e A Botija

Às vezes é complicado explicar as enrascadas que a gente se mete quando inicia a adolescência, isso é impossível de fazer sem revelar as facetas e os desejos bem típicos da idade.

Início da puberdade, final de tarde íamos eu e o Ferreirinha para o beco da antiga maternidade (ou beco do Sr. Marinheiro se preferir). No meio do beco morava Maria Antonieta, uma bela viúva, com seus já passado meio século de vida, ela povoava o imaginário dos meninos que estavam ávidos por iniciar a vida nos prazeres carnais. Sempre com um vestido bem decotado, um pouco acima dos joelhos, pernas bem torneadas, que insistia em cruzar e descruzar mostrando as brancas cochas pra deleite do nosso olhar malino. De vez em quando eu percebia um olhar deliciado de Maria Antonieta ao perceber nosso adolescente desejo.

Foi num desses finais de tarde que apareceu no beco uma senhora meio maltratada, rebocando uma criança pela mão e carregando outra nos braços. Maria Antonieta a cumprimenta e pergunta como vai e se ela já havia conseguido arrancar a botija. Ela responde que não e estava ficando doida, pois toda noite o fantasma do condenado vinha visita-la cobrando que a botija fosse desencantada pra ele descansar na eternidade e que estava difícil de encontrar alguém com coragem para ajudá-la na escavação, pois ninguém acreditava nela e quem acreditava tinha medo. Maria Antonieta olha para nós e pergunta; Quem de vocês tem coragem de arrancar essa botija com ela? Ferreirinha já responde na lata; Eu não!!! Esse negócio de botija é coisa de alma penada e eu não mexo com coisa do outro mundo não.

Sobrou pro abestado aqui que não queria fazer feio.

Imaginando que poderia ganhar algum agrado de Maria Antonieta em troca da falta de bom senso e estúpida bravura. Perguntei como fazia pra desenterrar essa botija. No que a senhora explicou; Fica numa casa que eu morei na vila de Zé Mendes, vi tudo num sonho, foi enterrada lá há mais de cem anos, quando construiram a casa ficou embaixo do alicerce da cozinha, é uma arca com quinhentas moedas de ouro um punhal com o cabo trabalhado em madrepérola com várias pedras preciosas entalhadas, varios cordões de ouro e prata, mais duas garunchas prateadas com cabo folheadas a ouro, vi tudo num sonho e quando acordei o fantasma de um cangaceiro enorme tava de cócoras no chão ao lado da minha rede, ele pediu que desenterrasse seu tesouro, se não o fizesse ele me assombraria pro resto da vida. Começou a me explicar que eu tinha que cavar um buraco ao lado do alicerce, que o terreno era de muita arreia e ao iniciar o processo de escavação haveria muita água jorrando, que isso iria levar arreia dos lados pra dentro do buraco, mas que eu tinha que continuar até bater em alguma coisa oca, quando isso acontecesse, tinha que enfiar a mão pegar na alça da arca e puxar, porque a parede iria rachar e cair e se eu não saísse rápido de perto, cairia em cima de mim. Marcamos de nos encontrar de manhã cedo na vila de Zé Mendes.

Nos despedimos e fomos embora, pois eu tinha hora marcada pra chegar em casa antes de papai fechar a porta pra dormir.

Depois que nos afastamos Ferreirinha diz; Claudo eu sei que você é abestado, mas dessa vez superou todas as expectativas, como é que você vai acreditar numa história dessas rapaz, você é doido ou caiu de cabeça no chão? Num tá vendo que o par de coxas e os peitão da Maria Antonieta, não vale o vexame da mangoça que você vai virar em Tabuleiro? Dito isso saiu pisando forte e fumando numa quenga.

Fui dormir, sonhei nos braços de Maria Antonieta e de tanto que nos amamos, amanheci melado. Levantei e tratei de desarmar a rede e esconder os lençóis pra mamãe não perceber, fui pro quintal puxar água da cacimba pra abastecer o pote do banheiro, depois de descarregar o barro na privada, tomei banho e me preparei pra sair, quando mamãe me pergunta; Zé Claudo, onde vai com tanta pressa que nem sentou pra tomar café? Volto tomo meu café com pão, lembrei de pegar uma enxada no fundo do quintal, coloco o pé na rua com a enxada no ombro e vou pro local do encontro, chego lá e a mulher já estava esperando com uma plateia de umas cinquenta pessoas ao seu redor, fico meio encabulado, mas como não dava mais pra voltar atrás, nos dirigimos à casa. Iniciei a escavação e quanto mais eu cavava, mas aparecia areia e a água jorrava, até que eu bati em alguma coisa dura, meti a mão não alcancei o objeto, acabei escorregando e caindo dentro do buraco, foi quando toquei a mão em alguma coisa, neste momento alguém pegou nas minhas pernas e puxou antes que eu pudesse segurar algo.

Era o Ferreirinha, que disse; Tu tá maluco, tá querendo ser enterrado vivo é baitola?!!

Saí sujo e envergonhado no meio daquele monte de gente, virei chacota na escola e nunca mais passei no beco da maternidade. Uma vez vi Maria Antonieta no mercado, estava exuberante e exibindo seus dotes como sempre.

Baixei a cabeça e me escondi pra ela não me ver.

Até hoje eu não sei se agradeço ao Ferreirinha por me salvar ou se o culpo por eu não ser rico...

Ainda levei uma surra de pai por ter perdido a enxada!!!

Claudo Ferreira
Enviado por Claudo Ferreira em 27/08/2020
Código do texto: T7047757
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