Velório de um "viado sábio"!

Ninguém nunca tinha visto um funeral tão florido e exótico. Nem mesmo o passamento de pessoas famosas, que atraia o povo, suas lágrimas, e suas lamúrias, conseguira superar aquilo que parecia mais uma exposição internacional de flores. Era o velório do tio Ditinho.

O falecido era muito querido. Professor estimado por todas "elas", era quem tinha ensinado as técnicas de amor e de depravação a todas as "bichinhas" adolescentes do bairro. Transmitira á elas todo tipo de sacanagem, com saber e experiência, transformando os moleques viadinhos em viados preparados.

"Todas" sentiam a mesma dor e uma pressão idêntica sobre os seus corações. Aquelas "bichas" que estavam ali amavam e muito deviam para aquele viado do cheio de saber, esse comprovado por técnicas passadas aos viadinhos que os transformava em "bichas" felizes e realizadas.

"Todas" eram escandalosas, mas naquele momento se faziam "meditativas" e em silêncio agradeciam ao falecido a felicidade que haviam conseguido na vida.

"Solemar" - Jose Francisco de Almeida Troncoso - vestida a rigor para com a ocasião, dentro um longo preto, usando muita pintura no rosto meloso e calçando sapatos de verniz coloridos, que fazia par com o chapéu escandaloso que tinha na cabeça, sorria por dentro e lembrava-se das palavras do velho e bom tio Ditinho:

-"Querida", se você não se entregar totalmente e não vier a realizar o homem que escolheu ele nunca será seu de verdade. Você deve entregar-se de tal modo, e com tal velocidade e perícia, que o faça tonto entre os prazeres que estiver sentindo. Deve ainda levar o seu carinho a tal ponto que o domínio do relacionamento seja só seu, para que o gozo, a realização dos prazeres e da depravação seja algo que venha a ser de seu controle absoluto.

Sábio, sim ele era um viado velho cheio de sabedoria, essa era uma certeza vívida em "Solemar" naquele momento em que meditava em sua própria vida, nos seus prazeres e no seu homem - que era só seu. Enquanto "as outras" viviam atrás de qualquer homem, sem ter carinho e sem receber amor ela era feliz e tinha consciência que devia toda essa felicidade para aquele "viado velho" que estava sendo velado.

E o velório ia transcorrendo, pelas horas que passavam, em um ambiente de paz, flores e viados sorridentes, até que...

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De repente gritos desesperados surgiram nas gargantas das "bichas" presentes ao velório, muitas desmaiaram e uma chuva de flores despencou sob os pés que saíram em uma correria desesperada. O velório passou a ter um clima de confusão carnavalesca. Entre o desespero das "bichas" o tio Ditinho, que não havia morrido, mas tinha tido apenas uma crise cataléptica, levantou-se do caixão e perguntou:

- "Queridas, pra quem é a festa afinal?! É alguma surpresa pra mim?!

CARLOS CUNHA o Poeta sem limites
Enviado por CARLOS CUNHA o Poeta sem limites em 22/10/2007
Código do texto: T704451
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