BURRO OU NÃO, EIS A QUESTÃO
Tanta cabeça pelo mundo,
Já em vias de extinção:
Ideias não faltam, no fundo
Burro ou não, eis a questão!
É-se burro por trabalhar,
Por não trabalhar é-se burro,
Questão que faz baralhar
Com tudo a cheirar a esturro…
Em extinção, há quem diga,
Mas há-os por todo o lado,
Não é verdade, mas cantiga
Que mais parece ser fado.
Vida de “burro” está a dar,
Ganha-se mesmo com isso,
Pouca ração pra alimentar
Num labor sem compromisso.
É mau ser burro-de-carga,
Fazer birra a toda a gente,
O qu´é banal fica à ilharga
Ao estilo de inteligente.
Odeia qualquer tortura
E é teimoso, com razão,
Não é burrice, é cultura
Com foros de afeição.
Ser burro está-lhe nos genes
Zurrando como em concerto,
E corta as curvas bem cernes
Com ares de quem é esperto…
O burro não tem vaidade
Mas gosta de ser turista,
Tem postura de lealdade
E belas orelhas na crista.
A sua escola é o trabalho,
Que é feito sempre à medida,
Odeia ser carta de baralho
Ou ser beco sem saída.
Ser livre é a sua ambição,
Se sofre faz logo lamento,
Mas não faz contestação
Por não estar no parlamento.
Quando algo lhe desagrada
Afita logo as orelhas
E dá coice ou dá patada
Em ideias novas ou velhas.
Dizer “burro” é mandamento
Na boca de toda a gente
E o burro não é ciumento
Mas tem figura de lente.
Estranha quando é gozado
Não tendo nada de seu,
Desconfia ao ser bem tratado:
- E, agora, o burro sou eu!
- Serei burro, mas não tanto,
Há quem o seja e não sabe,
Faz asneiras que são espanto
Não sabendo, da missa, metade…
- A minha grande tristeza
É ser burro e não corifeu,
Voz de esperto dá riqueza
Voz de burro não chega ao Céu.
- Já fui Platero – e fiz poesia –
Mas, pra burro, é um trabalhão:
Ser poeta é ser fantasia,
Burro ou não, eis a questão!
Frassino Machado
In RODA-VIVA POESIA