Pérolas do Cotidiano - A grande comitiva.

PÉROLAS DO COTIDIANO

* Paulo Guiné – 20/10/2007 *

A Grande Comitiva

O que denunciou a chegada triunfal de um séquito do arco da velha foram os fogos de artifício que espoucavam com grande estrépito, ferindo as retinas e os tímpanos dos três cavalheiros — todos de boa cepa —, que ocupavam a mesa quatro do famoso Bar do Luiz, sagrado ponto de encontro de desocupados apreciadores de uma boa birita. Mário, Heitor e o cronista ficaram espantados com a pompa de que se revestia a faustosa comitiva. Para dizer a verdade, estavam, literalmente, boquiabertos. Uma mosca, das muitas que freqüentam o ambiente, até se aproveitou do fato, adentrando, lépida e sem qualquer cerimônia, na garganta de Heitor que, em conseqüência, devolveu metade do conhaque que já havia agasalhado até àquela altura dos acontecimentos.

Mário e o cronista saltaram de banda para evitar o chafariz alcoólico que se formou no ato. Um frenesi indescritível percorreu os ossos e os nervos dos demais freqüentadores do nobre estabelecimento. Até o dono do bar teve uns tremeliques, fascinado que estava com o espetáculo que se avizinhava. A que se deveria a formação daquele luxuoso cortejo que evoluía cheio de graça, deixando o coração dos presentes prenhe de emoções ?

O séquito era aberto por tocadores de pífanos, por bacamarteiros e por ceramistas, dando a entender, numa análise apressada, tratar-se de acontecimento ligado às coisas do nordeste. Tratava-se, por acaso, de alguma homenagem à figura do Grande Mestre Vitalino ?

A dúvida foi prontamente desfeita porque, logo a seguir, surgiu um naipe de gaiteiros — todos trajando elegantes bombachas. Por isso, chegou-se a pensar que a comitiva tinha tudo a ver, seguramente, com os nossos irmãos do sul. Mas a Escola de Samba que evoluía na seqüência deixou todos com a pulga atrás das orelha (ou melhor, com a mosca). Então era coisa de carioca ? Ninguém sabia explicar.

Fechando aquela procissão de luxo, uma jamanta, ornada de fitas multicores, carregava em sua carroceria uma reluzente Ferrari vermelha, ano 76. A riquíssima viatura ostentava uma pintura perolada, alvo dos maiores elogios por parte de todos.

O cronista olhou para os seus pares e falou:

— Essa Ferrari é parecida com aquela que vimos há três meses atrás no ferro velho. O dono da tralha é o nosso dileto Amigo Rochinha. Lembram ? Mas aquela estava caindo aos pedaços, contrastando a olhos vistos com essa beleza que está desfilando em cima da jamanta. Por outro lado, o Rochinha está mais duro do que pão dormido há duas semanas. Ele não teria bala na agulha para promover transformação de tal monta.

— Por falar em Rochinha, retrucou Mário, aí vem a peça ! Vamos ver o que ele tem a dizer a respeito.

— Fala, Rochinha ! Disse Heitor. Esclareça-nos uma dúvida. Essa é aquela Ferrari que estamos pensando, de sua propriedade ?

— É. Respondeu o interlocutor. Mandei dar uma “guaribada” na lataria, antes de colocá-la à venda.

— Mas precisava todo esse aparato para a consecução desse mister ? Interveio Luiz, o dono da birosca. Essa “baratinha” não podia vir rodando por si própria ? Qual o porquê de toda essa frescura ? E a jamanta ? Você não exagerou na dose ?

— Claro que precisava ! Esclareceu Rochinha. Todo esse jogo de cena é para desviar a atenção dos guardas de trânsito. O carro ainda está com placa amarela, daquelas antigas, já fora de circulação. Do jeito que ele está sendo levado lá para casa, dá para confundi-lo com uma alegoria. E a jamanta é imprescindível. Para consertar a lataria, tive que vender o motor e a caixa de câmbio. Não espalhem !

O cronista gostou da idéia e pensou em fazer algo semelhante. Desistiu. Só o aluguel da jamanta supera, em muito, o valor de sua “condução”: uma imponente Fiat Oggi, mais antiga do que o rascunho da Bíblia.

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