Minoria injustiçada - Escrito por Zeca Quinha, para o Zeca Quinha Nius
A maior injustiça que se pode cometer contra as minorias é a resultante de incorreções comportamentais derivadas de preconceitos milenares, que, há milhares de anos, brotaram, nas regiões áridas além do Canal de Suez, às margens de um rio supostamente sagrado – sagrado, sabemos, para os povos rudes que nele banham-se. E uma injustiça, que a nós legaram as religiões milenares, que estão na origem dos males civilizacionais (são forças disruptivas), e a enaltecem a burguesia capitalista ultradireitista, que, desumana, explora os recursos naturais dos países ainda não corroídos, mas em vias de sê-lo, pelos valores que de há muito deviam ter desaparecido, e cujas influências são nefastas para o nosso ambiente cultural, é a que concerne às piadas. Em um país como o Brasil, cuja origem perde-se no tempo - os historiadores recusam-se a admitir que povos oriundos de regiões distantes habitavam, há milhares de anos, estas plagas, e dão como início da história do Brasil o dia em que nestas terras aportaram embarcações de sórdidos, crudelíssimos, insensíveis e desumanos povos conquistadores -, as injustiças permeiam todas as camadas sociais, mas são mais comuns na classe média, corroída pelos valores milenares originários de povo rude, discriminador, que se auto-intitula o único povo filho do ser divino, povo ímpar, escolhido, pelo homem celestial, para prevalecer, na Terra, sobre todos os outros povos.
A classe média burguesa ultradireitista, neocapitalista fanática e neoliberal fundamentalista detesta e despreza a cultura autêntica do povo das comunidades, em especial as que brotam, livres, do chão dos morros das cidades litorâneas e das cidades das regiões ásperas, que a elite burguesa abandonou, e que recebem, do generoso governo brasileiro, vultosos recursos de programas sociais igualitaristas, que reduzem a desigualdade de renda e as injustiças sociais. A classe média, burguesa e neoliberal, em políticas de higienização social, construiu muralhas entre as classes sociais, conservando-se nas regiões ricas e prósperas, e mantendo o povo - que é a classe que produz a riqueza, com o apoio do governo brasileiro, e engrandece o País - nas regiões miseráveis, carentes de recursos. E de muralhas a classe média burguesa entende; ela construiu uma muralha para separar os burgueses dos Estados Unidos dos miseráveis da América Latina – que oxalá! venha a se converter na Pátria Maior; e outra ela a construiu para isolar, nas áreas ricas e prósperas, os israelenses, e, nas áreas miseráveis, os palestinos (e os israelenses, sabem as pessoas bem informadas, surrupiaram, dos palestinos, as terras onde hoje é o Estado de Israel). E os burgueses da classe média, além de construírem muralhas de pedras, tijolos, cimento e concreto, construíram outras muralhas, as muralhas culturais, segregacionistas, criando, assim, duas classes sociais, a privilegiada – a dos burgueses, que têm acesso a todas as riquezas, a todos os recursos, a todos os benefícios, a todos os privilégios, a todas as facilidades – e a dos desassistidos, dos miseráveis – que é isolada em bolsões de miséria, desprezada, tratada como lixo, e que, quando ousa entrar em shopping centers, templos consumistas dos burgueses, deles é enxotada como se cão fosse. E tais muralhas não são concretas; são ideológicas. E compõem-na o preconceito lingüístico, o preconceito musical, o preconceito cinematográfico, o preconceito que se vê em muitas formas de expressão artística e cultural. Não há área da arte em que os burgueses não tenham inserido os seus preconceitos ideológicos, que são onipresentes, e estão infiltrados em todos os campos da sociedade, em todas as manifestações populares, e, pode-se ver, mas raras pessoas atentam para a questão, nas piadas, as mais comuns e espontâneas formas culturais que o povo concebeu e aprimorou com a sua inteligência natural isenta dos vícios exclusivos da burguesia, mas que vem, no entanto, para surpresa geral, desde a década de oitenta do século vinte, sofrendo nefasta influência do humor preconceituoso da classe média burguesa – e nós, homens e mulheres do povo a odiamos. A infiltração dos valores burgueses nas piadas descaracterizou as mais singelas manifestações culturais populares, eliminando, delas, o que as engrandeciam, reduzindo-as a categorias culturais irrelevantes desprovidas de todo senso estético, artístico e cultural, e delas eliminando a criatividade intrínseca.
Até há pouco tempo, as piadas refletiam a aguda penetração psicológica do povo brasileiro; agora, resumem-se à exibição de sentimentos rasteiros de repulsa às minorias, e uma das minorias mais agredidas, pelos burgueses capitalistas, em tom de piada – e muita gente, devido a isso, não detecta a sua sordidez -, é a da população negra brasileira, que não é mais protagonista de histórias que enaltecem o bom humor da sua classe. Contam-se, atualmente, piadas cujas protagonistas são loiras, e loiras unicamente; as piadas apresentam-las nas situações mais engraçadas e divertidas, emprestando-lhes os piadistas ares de pessoas bem-humoradas, cativantes e boas companhias. Ora, as mulheres negras, que são duplamente discriminadas pela sociedade burguesa, estão, nas piadas, extintas; elas adquirem, assim, a identidade de pessoas ranzinzas, desgraciosas, sem espírito esportivo – como se diz em linguagem popular. Há, no Brasil, “Piada de Loira”. Todos os brasileiros conhecemos inúmeras delas, e há, até, inclusive nas pequenas cidades brasileiras, campeonatos de “Piada de Loira”, mas não há, em todo o território brasileiro, campeonato de “Piada de Negra”. Há décadas não se ouve, no Brasil, uma piada cuja protagonista é a mulher negra, cuja ausência nas piadas de loira é a prova cabal da decadência da sociedade brasileira. Para evitar a queda do País no fundo do poço – um poço que, parece, não tem fundo –, e impedir que a injustiça social se perpetue no Brasil, é producente criar-se mecanismos que eliminem as fontes das desigualdades de classes, e as sociais, e as raciais. E uma das medidas a se implementar, e que contará, é certo, com a chancela dos movimentos sociais, das organizações não-governamentais e das organizações globais de defesa dos direitos humanos, é a do estabelecimento de cotas para mulheres negras nas piadas de loiras, pois as loiras, hoje, são hegemônicas neste gênero de manifestação cultural - e tal situação não pode perpetuar-se.
Cabe aos dirigentes do Brasil, aos congressistas, ao Judiciário, aos advogados e aos líderes religiosos abraçarem esta causa, para a redução, ou eliminação – e a eliminação é o nosso objetivo –, da injustiça centenária que infelicita milhões de brasileiros.
Oxalá a Razão ilumine os nossos dirigentes.
Nota de rodapé: Este artigo foi escrito em algum dia do passado, de um passado que passou há uns dias, mais concretamente há anos, como pode concluir toda pessoa que chegar a essa conclusão.