Pérolas do Cotidiano - Como identificar um ônibus-pirata..
PÉROLAS DO COTIDIANO
* Paulo Guiné – 19/10/2007 *
Como identificar um ônibus-pirata
A roda dos beberrões, nesse dia, estava mais animada do que mulher de velhinho que há uma hora atrás tomou Viagra. O papo, como sempre, girava em torno de amenidades: a última vitória do Botafogo (essa ninguém lembrava mais), as próximas eleições para Vereador (o interesse era intenso), a novela das oito (essa foi logo descartada pois já tinha enchido às medidas), os ônibus-piratas.
O último dos assuntos, este sim, passou a despertar, de verdade, o interesse do seleto grupo que bebericava, sem parar, os mais diversos drinques. O tema era, deveras, palpitante. Ônibus-pirata ? Afinal de contas, o que era mesmo isso ? Qual era a causa determinante que fazia com que tais coletivos trafegassem ao arrepio da lei ? Por que eles empesteavam as avenidas, as ruas e até as vielas das grandes cidades, com seus pseudos canos de escape sempre soltando encorpadas e grossas golfadas de fumaça negra, poluindo até a alma dos incautos transeuntes ? Seriam esses “monstros do asfalto” realmente necessários para que os cidadãos exercessem o comezinho direito de ir e vir, como reza a nossa Constituição ?
Como o bla-bla-bla já estava ficando monótono, já havendo mesmo quem estivesse bocejando de minuto a minuto, Lamego, o mais antigo e também o mais experiente dos sorvedores do precioso líquido, falou, objetivando despertar novamente o interesse geral:
— Proponho que dissequemos apenas um item desse momentoso affair, qual seja: como podemos identificar um ônibus-pirata ? Se conseguirmos chegar a uma feliz conclusão, prestaremos um grande serviço a nós mesmos. Devemos evitar, a qualquer custo, embarcar nessa canoa furada, aliás, nessas viaturas do demo.
— Acho que já foi dada a dica: a fumaça negra que ele expele o denuncia em cem por cento das vezes. Quem assim se pronunciou foi Portugal, com certo ar de professor de Mobral recém-empossado.
— Qual é a tua Portugal ? Os ônibus que fazem as linhas regulares, nesse particular, também não são flores que se cheire. A coisa não é bem por aí. Disse Lamego.
— O estado deplorável desses ônibus, amiúde caindo aos pedaços, faz com que os identifiquemos facilmente. Esta é a principal característica dessas geringonças. Obtemperou o cronista.
— Nada disso ! Exclamou Nei, o abstêmio matutino (à noite ninguém segura a peça). Coletivos mal conservados têm por aí às dúzias, independentemente da sua procedência. Eu só sei que o ônibus é pirata quando dou uma carteirada (Nei já tem 65 anos). O motorista me dá uma banana e não abre a porta. E ainda diz: “Vá se queixar ao bispo, seu mala”.
Luiz, o dono da birosca onde o bate-boca amigável rolava, resolveu meter sua colher de pau no assunto, opinando:
— Vocês estão por fora. Para identificar, sem nenhuma margem de erro, esses verdadeiros bucaneiros do asfalto basta prestar atenção nos seus motoristas. São uns tremendos “navalhas”. Fazem tudo quanto é tipo de “bandalha”. Não respeitam nem a genitora deles.
Lamego, mais uma vez, teve que intervir. A conversa, podia-se notar sem muito esforço, estava novamente fazendo com que os presentes abrissem as bocas desmesuradamente.
— Deixa de certas coisas Luiz. O que você relatou não é privilégio desses caras. O que tem de “navalha” por aí não está no gibi. E para pôr um ponto final nesse arremedo de troca de idéias, proponho – já que não chegamos a nenhuma conclusão decente -, que Antônio, o jornaleiro, dê a derradeira opinião sobre a matéria. Como você identifica um ônibus-pirata, meu caro Antônio ?
— É muito simples Lamego. E só a gente reparar no farol dianteiro esquerdo do ônibus. Se tiver uma venda preta, ele é pirata.
Depois dessa, a turma, como por encanto, se dispersou, prometendo voltar no dia seguinte, não para novas discussões estéreis mas, com toda a certeza, para novas incursões aos freezers e às prateleiras da taberna do Luiz.
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