E ELA ESTAVA RONCANDO
 
Consta do anedotário popular da região de Cafundós de Judas e adjacências, que o camponês Seu Zé Velho era um modesto criador de porcos e de outros animais de pequeno porte, sediado naquelas redondezas. Raramente vendia algum deles, a menos que precisasse de dinheiro para pagar alguma dívida inadiável e/ou inegociável.
Em situações extremas, se ele não tivesse uma alternativa mais viável, quiçá, pedisse algum valor emprestado ao seu grande amigo, o camponês Jô Formigão, embora sofresse muito ao dever favores para outrem.
Entendia que o homem do campo teria de viver apenas e tão somente com o fruto do seu trabalho e, é claro, sempre contando com aquela ajuda generosa proporcionada pela mãe natureza.
Por razões até então desconhecidas, certa vez ele se endividou e precisou de dinheiro, urgentemente. Abateria, decerto, uma leitoa e venderia toda a carne na feira do povoado local. Conseguiria, por fim, alguns trocados para pagar suas pendências financeiras; a primeira delas seria o ITR (Imposto Territorial Rural) que já estava atrasado.
Após os preparativos de rotina, abateu a porca, fez a limpeza do corpo do animal, separou os miúdos para o consumo da família e foi vender toda a carne na feira semanal do povoado.
Em chegando lá, para a sua sorte, logo apareceu um freguês disposto a fazer negócio, que assim se reportou:
- Quanto o senhor está pedindo por esse porco inteiro?
Seu Zé Velho, por ser uma pessoa honesta aos extremos até na hora de fazer negócio, deu a seguinte resposta:
Moço, a carne não é de um porco; é de uma porca e ela estava roncando; o freguês franziu a testa, disse que não queria a mercadoria e foi embora, cuspindo marimbondos.
Outros fregueses apareceram, fizeram a mesma pergunta do primeiro, tiveram as mesmas respostas e foram embora do mesmo jeito. A feira terminou e ninguém quis comprar a carne da porca do Seu Zé Velho. Chateado com a má sorte, retornou para seu sítio.
Ao chegar à sua casa, salgou toda a carne da porca, pôs para secar em um jirau improvisado e tentaria vende-la na feira seguinte, no mesmo povoado, e assim o fez.
Início da feira seguinte e Seu Zé Velho já estava ali, tentando vender a carne da porca, desta feita salgada e seca e os fregueses não paravam de chegar para comprá-la; novamente, Seu Zé Velho não conseguira fazer negócio com os compradores, porque a carne era de uma porca que estava roncando. Ao fim da feira, sem alternativa e já desesperado, ele acabou vendendo a carne da porca, por uma bagatela, para um cliente que disse chamar-se “Sou Eu”.
Após as tratativas do negócio, ficou acertado para receber metade do preço da venda no ato e o restante ele receberia na feira seguinte. Satisfeito pela metade, após a transação feita, ele voltou para o sítio e ali esperaria a chegada da próxima feira.
No início da feira seguinte Seu Zé Velho foi um dos primeiros a chegar e, para não perder tempo, danou-se a procurar pelo cliente, cujo nome era “Sou Eu”. Não obstante os detalhes fisionômicose e de compleição física, fornecidos por Seu Zé Velho, visando à localização do seu devedor, ninguém o viu naquela feira, nem o conhecia, muito menos pelo nome de "Sou Eu". Algumas pessoas imaginavam que Seu Zé Velho estivesse ficando aluado e até riam dele, às escondidas, evidentemente.
Chegou o final da feira e o seu cliente chamado “Sou Eu” não apareceu para lhe pagar a metade da carne da porca que estava roncando. Muito chateado, pegou sua bolsa de couro a tiracolo, ajustou a bainha do seu facão na cintura, montou no seu cavalo baio e rumou para sua casa.
No caminho de volta, um pouco cansado e preocupado que estava, parou para descansar um pouco e ao mesmo tempo satisfazer uma necessidade fisiológica mais simples; não levou muito tempo para ele vir que algo se mexia numa moita à frente; poderia ser uma pessoa conhecida ou, quem sabe, um animal inofensivo, mas se não o fosse?
Receoso e já com seu facão em punho, perguntou:
- Quem está do lado de lá? Não vai falar o nome?  E, para sua maior surpresa, uma voz respondeu:
- Sou Eu. Aquela resposta foi o suficiente para que Seu Zé Velho embrenhasse-se moita adentro, disposto a agarrar, com unhas e dentes, o suposto devedor da metade da compra de sua porca. Para sua decepção, ao se desvencilhar dos arbustos, deparou-se com um camponês desconhecido que estava ali, agachado, meio escondido, satisfazendo uma necessidade fisiológica mais demorada.
Meio acabrunhado, pediu-lhe desculpas, retirou-se e foi embora sem ter conseguido receber a outra metade do preço da venda da porca que estava roncando.
Um breve esclarecimento: Em algumas regiões camponesas deste imenso país, diz-se que uma porca está roncando quando ela está no cio, não sendo recomendado, portanto, o seu abate, devido ao forte odor causado pelos hormônios desse animal, o qual fica impregnado na sua carne. Felizmente, esse não foi o caso da porca do pacato camponês Seu Zé Velho. A porca dele, cuja carne ele teve dificuldade para vendê-la e quando o fez recebeu apenas a metade do preço, referido animal estava deitado, dormindo e roncando bastante, quando foi pego e levado para o abate. Nada mais que isso.
Germano Correia da Silva
Enviado por Germano Correia da Silva em 14/06/2020
Reeditado em 29/06/2020
Código do texto: T6977269
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