A RONDA DO GABIRU

“Da vida, o seu curso esplêndido

Que tem sabor a sonho e a ferro,

Não o consagra nenhum compêndio

Mas está escrito qu´ é um desterro.

Leva-nos, arrasta-nos, impele-nos

E preenche-nos de desilusão,

P´ los cantos do globo, dispersa-nos,

E cobre-nos de lodo, pelo chão.

Levanta-nos, ampara-nos e aturde-nos,

Mata-nos e leva-nos a olhar o alto,

Ela estonteia-nos e confunde-nos

E faz-nos ver Deus em sobressalto.

A vida é ternura e desespero,

É desgraça, é dor e confiança

E, neste oceano de destempero,

Leva-nos a crer e a ter esperança.”

Assim pensava o louco Gabiru,

Em ronda de cirandar profundo,

Escorrendo-lhe um suor frio

No beco das pedras do mundo.

Antes do levantar da aurora,

Por entre um nevoeiro denso:

-Enfim já é entrudo, nesta hora

Vou-me à vida, com custo imenso!

- Ó do sereno, que estás passando

E angustiado nesta solidão,

À luz da lanterna clareando

Diz-me lá tu que horas são?

- Falta uma hora pra abrir o sol,

Não estás ouvindo a cotovia?

Repara em todo aquele arrebol.

Já vem aí o nascer do dia!

E lá se foi o Gabiru muito só

Falando para os seus botões:

- Será qu´ hoje vou morder o pó

Sem ganhar uns míseros tostões?

Ele nunca teve sorte na vida,

Tudo o que sonhou fez-lhe enredo

E, não descobrindo uma saída,

Vive sempre na angústia e no medo.

- Ó tu, que vais aí à deriva,

E nem sequer olhas à tua volta?

Não engulas mais tua saliva

E põe dentro de ti a revolta!

- Isso queria eu, ó fidalgão!

Nunca soubeste o que custa a vida,

Sempre tiveste quem te desse a mão.

Eu, não passo de vítima esquecida…

- Sou para aqui um Gabiru infeliz,

Sujeito-me ao reles-rendimento

Que não dá pra alimentar o petiz

E não lhe posso dar o sustento.

- Sabes? Hoje é o Dia do Entrudo,

Veste-te duma coragem mais forte,

Joga a raspadinha. Não vale tudo

Mas, pode ser que tenhas sorte!

- Olha… eu nem me tinha lembrado:

Tenho aqui uns cobres, vou-me a isso

Compro a raspadinha e fico consolado…

E, pro petiz, resolvo-lhe o enguiço!

- Ai Gabiru, Gabiru, tu és louco…

Não vês qu´ é Dia de Carnaval?

Ilusões, ilusões, sabem a pouco:

Dança, dança, não te faz mal!

E o Gabiru continuou sua ronda,

Dançando sempre de mal a pior,

Sua vida vai torta e de avonda

Pedindo esmola ao senhor Prior.

- Se eu fosse um Gabiru a sério

Haveria d´acabar co´os foliões:

Ir para o Poder, sem mistério,

Distribuindo, por todos, seus milhões.

Mas, vida de Gabiru é o que mais há:

Marginais, desempregados, drogados,

Desiludidos, com o hoje e o amanhã!

E os governantes e os deputados…?

Passam as horas a filosofar,

Democraticamente, gozando:

A clepsidra do Tempo a passar

E os cidadãos, esses, penando!

Frassino Machado

In RODA-VIVA POESIA

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 25/02/2020
Reeditado em 25/02/2020
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