Visita ilustre

Divanira escovava os dentes no tanquinho dos fundos do estabelecimento. Aquele bar estava quase sempre vazio – ideia desgraçada aquela, de abrir uma espelunca numa praia mal frequentada – mas tudo bem. Estavam ali e tinham de continuar. Enquanto escovava os dentes, Divanira sonhava com o retorno para São Paulo e pouca atenção dava para a conversa monótona do marido com um freguês qualquer. Por sorte, repito, por sorte, Deus deu à Divanira bons ouvidos. Da conversa monótona surgiu a frase: “Quieto e passa o dinheiro dessa porra”.

Diva cuspiu a pasta de dente rapidamente, mal conseguindo limpar a boca. Agarrou seu celular velho, que pela providência estava em seus bolsos, e ligou para a polícia, escondida quietinha atrás de um monte engradados, ao passo que os assaltantes se preocupavam em domar o marido, sem desconfiar da presença dela ali.

Comunicou as autoridades, mas percebeu que tinha um problema. Ela ouviu os bandidos abaixarem as portas de ferro do bar. “Que merda! A polícia vai achar que é trote. Ainda mais nesse fim de mundo aqui”.

Formulou o plano ousado. Um corredor estreito levava até a frente do bar, num lugar coberto em frente às portas, onde se podia colocar cadeiras e mesas. O corredor era fechado por dois pequenos portões metálicos nas extremidades. “É só eu passar abaixada, e esperar lá no canil da Tequila, para na hora que eles chegarem eu dar o sinal para a polícia”.

Plano razoavelmente seguro. Divanira só esqueceu de um detalhe: Tequila, uma rottweiler super sonsa, que tinha uma disposição infinita para lamber o rosto das pessoas e que morava no dito corredor.

Mesmo assim seguiu o plano. Abriu o pequeno portão sem fazer barulho. Abaixou-se e esgueirou-se pelo corredor morrendo de medo, com a boca ainda suja de pasta de dente. A cachorra logo veio encontrá-la. Por sorte não latiu, mas ficou beijando a dona enlouquecida. A alegria de Tequila contrastava de maneira icônica com o desespero de Divanira. Tequila parecia disposta a limpar a pasta de dente do rosto da dona, que se arrastava humilhada pelo corredor. Divanira conseguiu chegar na casinha de Tequila, onde se escondeu. A cachorra ficou enlouquecida: “Que honra! Minha dona em minha casa!”. Se Tequila pudesse falar, era isso que diria, a julgar pela forma como lambia Divanira e se apertava dentro do canil. Pelo menos o assalto foi divertido para alguém.

O desfecho foi feliz. A polícia chegou, se Diva logo se apresentou toda lambuzada, e mesmo os bandidos fugindo, foram pegos e julgados. Divanira foi até no julgamento, constatar que era mesmo um bando de moleques, mas que armados, renderam Odair.

Foi a gota d’água. O assalto serviu para Divanira convencer o marido – a contragosto – a fechar o bar. Tequila nunca se esqueceu daquele dia. A cachorra pouco se atentou aos bandidos, mas a visita de sua amada dona... Ah! Que alegria, “recebe-la, do nada, na minha própria casinha”. Da mesma forma, a cachorra nunca entendeu o porquê da visita não se repetir. Teria sido ela, inconveniente?