AVIÃO: O "MICO" NO FUNDÃO DAS ASAS VIP

Já escrevi muito sobre um assunto que me intriga: os Aeroportos.

Ali, haja vista que se trata duma passarela do mundo, para quem escreve é como olhar para um tubo de ensaio com olhos estalados a observar o comportamento de todas as gentes... inclusive a gente exótica com seus causos "quânticos" e atitudes inacreditáveis.

Trata-se , portanto, duma observação das humanidades e de seus símbolos subliminares de comunicação.

E foi assim pensando que me surgiu a vontade de escrever sobre as aéreas classes VIPS dos voos, as ditas primeira e executiva espécie de acomodação das aeronaves, ao que antropologicamente se denomina "classe".

Então, os convido a voar comigo...pelos textos das vidas.

Informo a quem me lê que, se houver interesse em aprender sobre gente, a observação deve começar já nas filas (ou ex- filas,hoje mais em totens virtuais!) do check-in, posto que gente das "classes",mesmo, jamais se mistura com a galera da muvuca, digamos, gente normalmente comum...como qualquer gente.

Aliás, gente das classes VIPS -mesmo!- nunca fica nas filas: sempre passam direto pelas portas automáticas.

Para fugir delas serão, então, classificados por várias grifes milhadas no até possivelmente desavisado cartão de crédito, os que permitem,só aos classudos super classificados, as mil estrelas do poder de consumir cada vez mais milhas, todavia...todas elas cada vez mais menos valorizadas na moeda corrente.

Mas classudo não precisa pensar. Isso seria ofensivo para a maioria deles porque pode deslocar o botox.

Há inclusive os que entram em êxtase de classe já no preço do balcão ao adquirirem na urgência da vida seus títulos de nobreza classuda irrefutável.

Logo mais no GATE de entrada serão, então, identificados como nobres ao som da chamada de embarque preferencial só pela classe adquirida ali ,na fatura do cartão de crédito detonado com classe.

Todo mundo olha o desfile glamouroso e pumba!-as criaturas emplumadas, a pagar um custo altíssimo para embarcar pelo mesmo céu de benefícios e horizontes,mas só "classudamente" diferentes na filosofia.

Todos "Smile" pra não chorar, então, porque grande é a chance de se estar" milhadamente" enganado na conta bancária sofrida.

Mas isso ninguém conta...sobre as intempéries de suas contas!

Só os gerentes das contas é que contam e recontam os prejuízos.

Aliás, os classudos que se prezam nunca fazem contas...tampouco olham os saldos do cheque especial sempre dispensável na classe cotidiana deles.

Mas aprendam: classe, mesmo sem classe, sempre se pode financiar a juros altíssimos em qualquer conta de qualquer canto do mundo.

Mais uma dica de identificação classuda: Fazer contas seria um despautério à classe primogênita nos voos!

Atenção senhores passageiros: os classudos são reconhecidos já no seu jeito de andar, de olhar, de sentar, na postura do pescoço sempre bem articulado nas cervicais depois da RPGC (reorientação postural global de classe), no ato de carregar suas bagagens "carry on", sempre de grife francesa da hora, nem que seja daquelas vendidas na vinte e cinco de março.

Ali, o que vale é a ginga da classe não a origem dela.

DNA, tipo de classe classuda, não interessa nessa hora.

Assim sendo, só para exemplificar, dia desses uma senhora puxou conversa comigo ali no saguão de espera, a me perguntar indignada sobre a duração do nosso voo para tal lugar, dos possíveis atrasos,( " mas é ainda sua primeira vez por ali, como assim? Minha família toda mora lá, esse país não dá mais para se viver!"); ela até tinha uma certa razão mas ali... não sei, desconfiei da nobre classe, embora tenha lhe respondido com gentileza a tudo que me perguntou.

Ela, de poucas palavras algo "endurecidas", certa altivez incômoda, fisionomia rígida por um recente procedimento facial, cabelo impecável cheirando laquê enjoativo, algo poluída de ouro e bijuterias.

De repente, sumiu da minha vista sem nenhuma despedida ou um simples "obrigada" à minha pessoa detonada com perguntas.

Quando entrei na aeronave, tentando alcançar o meu fim de mundo no assento do meu voo, lá estava ela imóvel naquele lugar sui generis: a primeira classe.

Era isso! Eu sabia que ali tinha! Eu raramente me engano!

Com todo o cuidado para pisar naquele lugar inacreditável eu ainda ousei na tentativa de passar por ela e lhe dar um sorriso de boa viagem.

O quê?

Um classudo, saibam, jamais olha ao lado, sob o risco de ser visualizado pela plebe que passa rumo ao fundão a se perder das classes das aeronaves.

Tal atitude desclassifica as classes de forma nada classuda.

Têm medo do "face-to face" saudável com o fundão como hoje se tem medo do CORONAVÍRUS, o da COVID 19.

Os executivos,então, mais profissionais do ramo classudo, mergulham os olhos e o corpo todo nos seus notebooks, porque os negócios lhe esperam, o dinheiro nunca pode esperar e o mundo comum não lhes interessa.

Não desligam o dispositivo nem por clemência do comandante.

Nesse mesmo dia, finalmente, depois de andar pelo avião inteiro até encontrar meu econômico lugarzinho no voo (foi a caminhada aeróbica do dia!), ali me assentei a apertar meu sinto sem classe alguma, mas na felicidade duma janelinha de brinde e na oração de que tudo desse certo naquele voo...já que as turbinas e o piloto são os mesmos para todas as classes.

De repente, na fileira ao nosso lado, um rapaz chamou a comissária.

Depois de poucas palavras trocadas sacou uma enorme quantia cash em dólares e imediatamente pagou sua mudança de classe.

Desistiu de ser da classe do fundão!

Fechou meu aprendizado com classe de ouro!

E eu fiquei ali matutando uma crônica sobre quanto nos custa o mico de se ser classudo nesse mundo cada vez mais desclassificado.