Não se elegeu e ATIROU no eleitor
Tico Furtalinho contou as balas e viu no revólver um tambor bem carregado.
Não poderia deixar passar essa desfeita sem punição.
Por causa de apenas um voto de diferença, ele não teria nova chance de disputa para ser prefeito daquela cidadezinha.
Por uma questão de simples lógica, era óbvia aquela quebra de confiança. Só uma pessoa teria sido capaz de lhe negar um voto a mais, que haveria sido pelo menos suficiente para um empate, quando então seria convocada nova eleição e ele disputaria os votos dos eleitores que anularam ou votaram em branco. Seu adversário estaria na mesma situação, se acaso esse eleitor (que ele sabia muito bem “quem”) não tivesse se acovardado e votado “branco”.
Imperdoável.
Atravessou o salão e foi logo se dirigindo ao corredor, cujo caminho o levaria a estar olho-no-olho com seu desafeto – um eleitor que não acreditou nele. Aquele corretivo tinha que ser aplicado porque o Tico Furtalinho iria tentar outra vez futuramente, após quatro anos quando terminasse o mandato do adversário que saiu vitorioso. Então a mensagem tinha que ser passada: “por que não confiar, se tantos eleitores acreditaram e votaram em mim? Por que essa covardia?”
Atingiu o final do corredor e acessou o local reservado onde geralmente convidadas mulheres costumavam aproveitar o imenso espelho para conferirem o visual. O som estava alto lá no salão principal e, portanto, ninguém escutaria o barulho do tiro.
Olhos nos olhos, observou o semblante desesperado do seu alvo e mirou bem... o meio da testa.
Deu-se por satisfeito pois o tiro foi certeiro. Certamente ninguém havia escutado o estampido, pois aquela animada festa da Câmara Municipal de Vereadores provocava um barulho que seria ouvido a quilômetros dali e abafaria o som do revólver disparado.
Soprou o cano da arma e soltou uma imprecação:
- “Maldito o homem que não acredita em si mesmo e nega a si próprio um voto decisivo, preferindo votar 'branco'. Da próxima vez, isso não se repetirá”.
E, assim, Tico Furtalinho deixou a festa para trás sem participar dela. O espelho caríssimo da Câmara dos Vereadores (agora todo estilhaçado) tinha servido para ele descarregar a arma e o ódio que lhe incomodava por não ter acreditado nas suas próprias chances de vitória por causa do seu complexo de vira-lata.
Vingou-se do maldito eleitor covarde, que jamais voltaria a viver dentro dele mesmo e que foi sepultado com aquele tiro que esfarelou o espelho caríssimo da Câmara Municipal.