A ENTREVISTA COM O BODE
Na remota cidadela do semiárido nordestino abunda a criação extensiva de caprinos.
O rebanho se alastra pelas paragens de capoeiras e veredas, devorando folhas secas, cascas de árvores, cactos e lambendo o chão salitroso. O ambiente é propício para a proliferação daquela espécie.
Contam que há pelo menos dez animais para cada habitante do município. A população desses bichos é tão numerosa que quando a alimentação escasseia nos campos eles vem compartilhar das refeições de seus donos. Houve ocasiões em que as cabras foram comer no mesmo prato das pessoas.
Os governantes passaram a oferecer incentivos para a ampliação e manutenção do rebanho. O município se vangloria de ostentar o título de maior criador de cabras.
Por ocasião de uma exposição de bodes de raça haverá uma grande festa na sede do município e o governador do estado estará presente para prestigiar o evento e demostrar seu empenho em subsidiar a criação de caprinos.
Mundico Pena, o locutor de eventos locais, não para de conclamar o acontecimento e elogiar as autoridades estaduais e municipais a respeito do incentivo à caprinocultura.
Com extrema veemência e sem trégua ele anuncia o evento que “dará destaque à já importante cidade”.
“Será premiado o mais elegante bode e na ocasião, este locutor que vos fala, realizará uma entrevista com sua excelência, o governador”, decreta incansável o locutor, com sua voz anasalada e escandalosamente impostada.
Raimundo Ferreira dos Santos, apelidado de Mundico Pena, tem uma forte obsessão pelos microfones. Sua predileção pela locução vem de muito tempo quando adquiriu um megafone e começou a fazer anúncios pela cidade. “Na sua demonstração excessiva de mesura e bajulação ele se torna piedoso”, observam os populares. Por isso lhe apelidaram de Mundico Pena.
No dia do evento Mundico desperta cedo e vai direto para os estúdios da rádio FM Sertaneja, emissora chamada comunitária, de propriedade do prefeito. Nas chamadas sucessivas, começa a fazer a contagem regressiva para o evento, a condecoração do mais belo espécime de bode e a entrevista com o governador, primeira da sua carreira, que elevaria seu prestígio naquela região.
Às oito horas da manhã a praça já está tomada de pessoas. Os proprietários e seus animais vestidos a caráter, com requintadas indumentárias. Cada um com seu bode pelo cabresto aguarda ansiosamente a chegada das autoridades.
Ao meio dia, Mundico já se encontra com voz consideravelmente prejudicada devido à extensa exposição. Faz uma conexão da emissora e começa e transmitir o programa direto da praça.
“Esta ‘grandecíssima’ festa terá seu ponto alto em instantes quando será condecorado o mais bem apresentado bode. E este nobre locutor entrevistará o excelentíssimo governador.”
A praça se tornou pequena para a enorme plateia, tantos proprietários ansiosos e uma grande quantidade de bodes inhaquentos. As pessoas se acotovelam, perseguidos pela ansiedade e pelo calor.
De cima de um caminhão, postado em frente ao prédio da prefeitura, Mundico Pena anuncia esbaforido a premiação do mais belo bode e a entrevista com o governador. De suas têmporas descem fiapos de suor e seus lábios ensebados deixam nítido o esforço e o cansaço.
A bodaiada berra frenética, chifrando entre si, agonizada pelo estreito espaço e pelo calor.
Estrepitoso e eufórico, Mundico anuncia sem trégua a premiação e a entrevista com o chefe do executivo estadual. Um outro profissional da Sertaneja FM vem substituí-lo, mas o egocêntrico locutor diz que é insubstituível e seu grande objetivo não pode ser descartado. Jamais perderia a chance de entrevistar o governador.
Já exaustos e esbaforidos com seus animais, os caprinocultores olham para o horizonte à espera de um veículo conduzindo o governador. De repente um ribombar é ouvido e as pessoas olham assustadas para o céu. Só depois de várias tentativas é que o helicóptero consegue um pequeno espaço para aterrissar. Dali, até chegar ao palanque improvisado, o mandatário do estado terá que vencer uma multidão frenética e o cheiro nauseoso dos animais.
Mal sobe no caminhão, protegido por sua comitiva, o governador é abordado por Mundico Pena que, no afã de realizar sua tão sonhada entrevista, quase lhe enfia o microfone na goela.
Fatigado pelo calor, pela situação de sufoco naquela pequena praça e pelo exíguo tempo para visitar outros municípios, o governador ainda é atacado pelas gafes de Mundico que quase o impede de proferir o discurso programado.
Numa forte demonstração de tentar detê-lo, Mundico Pena fechou a mão sobre seu ombro. “Depois de proceder a premiação, agora vamos ter uma entrevista com o bode...!”
O governado virou-se sorridente, mas sem disfarçar o susto. As pessoas caíram em risadaria, enquanto Mundico, suava decepcionado.
O governador tomou o microfone das mãos do locutor e disse sorridente: “Você é um ótimo comediante. Mas já que prefere entrevistar o bode, eu me retiro”.
Seus assessores o conduziram ao helicóptero que desapareceu barulhento em poucos segundos.