A aquisição de Vovó!

Sentei-me por um instante, pálida e um pouco atordoada pela notícia fresca e inacreditável que acabara de receber. Mesmo com uma infinita riqueza de detalhes contados por terceiros e evidências concretas, neste momento soltei a expressão: que mentira deslavada!

Peguei nossos álbuns de família, em frente a pouquíssimas fotos em preto e branco, ali diante de mim, analisei a bibliografia de minha avó. A julgar pela expressão de seu rosto, sem nunca expressar um tímido sorriso que fosse, em diversas ocasiões ao lado de seus irmãos, pais, marido, e jamais estar abraçada ou de mãos dada com nenhum deles, constatei que minha avó era uma mulher quieta e bastante séria.

Nasceu no século XX, logo ela não é exatamente uma mulher contemporânea, ou não era até final de semana passado. Como qualquer avó, dos dias de hoje, a minha carrega a sua singularidade, tem dores nos braços consequência dos trabalhos exaustivos na roça, usa óculos para perto e longe, faz cuque de banana, deliciosos pastéis de carne e bolachas pintadas com chocolate que fazem o maior sucesso.

Possui em certa medida resistência ao procurar alguma coisa na internet, mas passa horas no seu Facebook vendo imagens de variadas flores, fotos fofas de cachorrinhos e acompanhando a vida alheia dos conhecidos, para completar sua Wikipédia tem um nome antigo próprio para avós e quase único no mundo todo, Miguelina.

Miguelina, variante de Miguel, muito ligada a família, emotiva, costuma exagerar em seus cuidados e corre o risco de sufocar as pessoas que ama, tem muita energia e por isso mantem-se ocupada sempre com alguma coisa, nos relacionamentos amorosos e de amizade quando se magoa recolhe-se para dentro de si e só sai quando recebe um pedido de perdão. Não desperdiça um dia sequer da sua vida e jamais se sente inútil na velhice, vive de acordo com as vibrações do número 9 e tem ascendente em sagitário com lua em Saturno.

Essa é minha avó Miguelina, segundo uma rápida pesquisa de tarô, simbologia e numerologia que eu fiz no Google.

Vovó Miguelina, a matriarca da família, mãe de cinco filhos, já casados, com irritantes e sem necessidade alguma todos nascidos com olhos azuis, seis netos e mais um que está para chegar, que acabara de fazer bodas de ouro ostentando com uma festa para tantos outros casais se coçarem de inveja. Essa senhorinha simpática, comprou uma zona!

Para surpresa de todos e incrédula a minha própria, mal conseguia achar as palavras certas e entender o motivo da aquisição de tal propriedade. Essa que aliás em pleno funcionamento vinha com todo o estoque. Seria um investimento apenas de cunho financeiro, com margem de erro de pouquíssima chance de falir? Ou iniciaria aqui negócio de família, que passaria de geração para geração? Vovó Miguelina estaria pensando em investir nas belas e esbeltas netas, ou colocar os netos para trabalharem tirando a roupa num palco pouco iluminado com luzes vermelhas ao som de Wilson Vai?

Já ouso dizer que me recuso totalmente entrar em qualquer setor que a casa tenha a oferecer de trabalho, não tenho molejo para dançar em pole dance, não tenho o manequim adequado para usar lingerie com pouco tecido, não gosto de servir bebidas para bêbados chatos, tampouco serei garçonete, segurança, camareira ou caixa.

Aos 70 anos vovó Miguelina, saiu da zona (ou entrou olhando por esse lado) de conforto das clássicas avós que frequentam a terceira idade, fazem academia no estica-velho, que tomam Omeprazol diariamente e arriscou o suado dinheirinho das vendas de eucaliptos plantados por longos anos e comprou um puteiro.

Me resta com muito esforço e cabeça aberta tentar entender o contexto geral da história, confesso que mesmo na modernidade me causa um pouco de alvoroço e talvez uma leve confusão mental a respeito dos planos futuros de minha avó.

Por isso decidi ligar para ela e tomar nota de todos os detalhes dessa compra virtual e inesperada que ela fez e entender de uma vez por todas o real motivo de tudo...

Liguei. E depois de todos os cumprimentos carinhosos, de ter recebido a “bênçã”, dizer que sim estou comendo brócolis, frutas da mais variada seleção, levando casaco e guarda chuva no caso de “precisão” e negar enfaticamente que não estou namorando aquele riquinho mimado da faculdade, perguntei:

- Vó é verdade que a senhora comprrrrr ...

Fui interrompida por sua voz suave e ao mesmo tempo rápida que começou uma explicativa nervosa onde tentava me convencer com ingenuidade.

- Eu estava procurando um presente de aniversário para seu avô, dai...

Rosana Dias do Nascimento Czornei
Enviado por Rosana Dias do Nascimento Czornei em 18/09/2019
Código do texto: T6747859
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