O padre e o taxista na porta do céu

O Padre José dos Santos expirou. Octogenário, um homem reto e bondoso, foi-se como se espera que vão os dadivosos: adormeceu e, serenamente, não mais acordou. Dedicara toda sua vida às obras de caridade em favor do povo carente da pequena cidade interiorana dos rincões do país.

Sua hora chegara, de repente ele se viu na fila de entrada do portal luminoso que ele não vira antes, mas já sabia o que era: a porta do céu. Reparou nos outros que estavam na fila, pareciam pessoas com semblantes plácidos, daquelas que se esperaria encontrar por lá.

De repente Padre José estremeceu: logo à sua frente na fila viu o seu conterrâneo Zelão, motorista de táxi. Estranhou, como era possível que ele também estivesse na fila do céu? Pensou então:

- Ora, quem sou eu para questionar o julgamento de Deus? Se ele está por aqui, com certeza deve ter lá seus méritos, que eu desconheço.

A fila andou, foi chegando a vez do Padre José. Ele se admirou que na portaria não estava um velho de barba, cabelo e roupa branca, como ele esperaria que fosse São Pedro, que para ele deveria ser o porteiro do céu. Mas quem lá estava era um jovem com ar de executivo, cabelos bem curtos, camisa social branca, gravata, calças e sapatos negros. Com um tablet nas mãos, ia conferindo o nome de cada novato. Padre José escutou quando o inesperado porteiro conversava com o Zelão:

- Nome?

- José dos Santos.

Ora ora, só então o Padre José soube que Zelão era seu homônimo. Sempre o conhecera pelo apelido. O porteiro continuou a perguntar:

- Profissão?

- Motorista de táxi.

O porteiro verificou o tablet, voltou-se para um auxiliar que mais adiante ia recebendo os neófitos, e falou:

- Senhor José dos Santos, o senhor tem direito a um manto de algodão egípcio penteado bordado com fios de ouro, em tributo a seus notáveis préstimos durante sua vida na Terra. Queira entrar, e trocar sua roupa pelo manto que o aguarda.

O homem, todo feliz, entrou e logo foi tratando de vestir seu manto de gala. Chegou então a vez do Padre José. O executivo fez-lhe as mesmas perguntas:

- Nome?

- José dos Santos.

- Profissão?

- Pároco de igreja.

- Sim, sim. Seu nome está aqui Padre José. O senhor tem direito a um manto de algodão cru, rústico, mas bem resistente e muito útil no frio.

Padre José reagiu inconformado:

- Deve haver algum erro! Sou o Padre José dos Santos, não o taxista José dos Santos. Não houve alguma troca?

O executivo voltou a consultar o tablet, logo contestou:

- Não há nenhum equívoco. O manto de gala era para o taxista, o manto rústico é para o Padre José, o senhor!

Padre José então desabafou:

- Como é possível? Passei toda minha vida dedicando-me aos pobres, rezava quantas missas me fossem solicitadas sem nunca pedir nada em troca, nunca deixei de atender um necessitado. Já o outro José dos Santos, que todos conhecem por Zelão, era uma tragédia para nossa pacata cidade. Sempre rude e afobado, dirigindo apressado, pondo medo em seus passageiros, em transeuntes e nos motoristas dos outros veículos. Ele era uma ameaça. Como pode ser agora mais reconhecido que eu?

Procurando demonstrar serenidade e paciência, o executivo explicou:

- Padre, aqui no céu agora adotamos a gestão de resultados. Enquanto o senhor ministrava suas missas, os fiéis dormitavam, chegavam até a roncar. Já o Zelão, cada vez que tinha um passageiro, ou os transeuntes o viam por perto, todos só faziam rezar...

Autor desconhecido
Enviado por Mário Sérgio de Melo em 31/08/2019
Reeditado em 31/08/2019
Código do texto: T6733894
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