Conflito de dialetos
Genivaldo foi do sertão do Piauí para São Paulo com a ilusão do trabalho fácil e do salário generoso. Mas a crise já andava à solta, não só não encontrou trabalho como encontrou muitos conterrâneos desempregados, desesperados.
Ele tentou de tudo: biscateiro, marreteiro, flanelinha, sucateiro. Mas nada lhe trazia nem mesmo o essencial para sobreviver. Num ímpeto de aflição, usou o pouco que tinha conseguido no último trabalho de pedreiro e comprou um revólver do pessoal debaixo do viaduto. Armou-se de coragem e foi à Av. Paulista, ia assaltar um paulista rico.
Lá chegando, colocou-se num lugar que pareceu-lhe menos movimentado e pôs-se pacientemente a esperar uma vítima. Até que divisou o jovem executivo, camisa social branca de mangas curtas, gravata vermelha, calça de linho, cinto de couro esmaltado, cabelo raspado nos lados mas longo no alto e atrás da cabeça, atado num rabo de cavalo, pasta de couro legítimo na mão.
Genivaldo, mapeando o candidato a vítima, deduziu que a pasta deveria conter algo de valor que compensasse o preço do revólver. Respirou fundo e, de arma empunhada disfarçada ao lado do corpo, abordou o homem:
- Arriba os braço e não se bula! (*1)
E o homem, mais surpreso que assustado, com o rosto pasmo:
- Heim?
- E deixe de munganga, senão faço de sua cara uma arupema! (*2)
- Heeiiimmmm?
- Ó xente, além de mouco é brouco! (*3)
E Genivaldo acabou desistindo do malogrado assalto, pensou que o homem era de outro país.
(*1) = levante os braços e não se mexa;
(*2) = e deixe de careta, senão faço de sua cara uma peneira;
(*3) = além de surdo é bobo.