O cravo e a rosa no ser tão engraçado

Ato 01 – O encontro

Cena 01 – na rua

(A cena acontece na rua. Um vendedor ambulante vai chegando, oferecendo várias prendas aos passantes. Ambiente de venda, de comércio)

Vendedor: Venha, venha que já está acabando! Tenho ainda o que você quer, quiser e pensar em comprar. Tenho para mesa, banho e cama... Faço um negocinho bom nas colchas que é bom pra mim e para a senhora que queira prova, veja, colcha boa, bonita e barata, divido até dez, dez vezes sem entrada... Olá, moça bonita, pode olhar, moça bonita não paga, mas também não leva...

Petúnia: (toda arrebitada, querendo sem querer comprar) Eu nem queria! Só vejo aí porcaria! Eu que não quero, não vejo nada que se aproveite.

Vendedor: (indignado, esperto) Tem não? E esse espelho?

Petúnia: (surpresa) Como? E para que eu quero um espelho? Eu já sei que sou linda?

Vendedor: Sei não...

Petúnia: (encabulada) Sabe não? Então o senhor está me chamando de feia?

Vendedor: Não foi isso que eu disse, não foi isso que eu quis dizer!

Petúnia: (zombando) Mas foi isso que eu escutei, foi isso que eu entendi, foi isso que o senhor disse sim.

Vendedor: Não foi!

Petúnia: Foi.

Vendedor: (concordando) Está bem, está bom, então foi!

Petúnia: Pensando bem, eu acho que não foi! O que foi mesmo que o senhor quis dizer?

Vendedor: Bem, esse espelho é mágico!

Petúnia: (interessada) Como?

Vendedor: Isso mesmo que a senhora ouviu. É uma peça rara, pertenceu à rainha de Portugal, que depois deu de presente à princesa de Portugal, que veio para o Brasil, esqueceu aqui quando saiu fugida com uma peste de piolho, foi jogado no riacho que secou com a seca, depois foi parar nas mãos da Maria Bonita que era feia de doer na vista, mas depois que penteou os cabelos lambuzados de óleo de coco, ficou linda, lindinha que só! Inté Lampião se apaixonou por ela!

Petúnia: Nossa então, eu o quero para mim! Quanto custa?

Vendedor: Uma fortuna!

Petúnia: Quanto?

Vendedor: Nem queira saber!

Petúnia: Fala logo...

Vendedor: Deixa-me calcular...

Petúnia: (olhando no relógio) Nossa que já é o pingo da mei-dia, não posso mais esperar!

Vendedor: Toma, pode me pagar com apenas um sorriso!

Petúnia: (indignada) Um sorriso? Como assim...

Vendedor: Se você tivesse um tiquinho de tempo pra sentar aqui nesse banquinho comigo, eu num instantinho poderia te contar... (Nessa hora, o vendedor mostra o espelho a Celina, quando os olhos dela refletem no espelho, uma música de cangaço e um bando de cangaceiro vai entrando e levando a Celina nos braços)

Cena 02 – A rosa adormecida, o cravo cangaceiro

(Dentro da mata, Petúnia é levada pelos cangaceiros. Colocada em uma cadeira como se fosse uma rainha. Os cangaceiros fazem um xaxado, um ritual de coroação à rainha do cangaço)

Lampião: (gritando para o bando) Quem como o rei?

Cangaceiros: Só o rei e mais ninguém.

Lampião: E a mulher mais bonita?

Cangaceiro: Maria, Maria, a mais bonita!

Lampião: De hoje em diante, será a Maria Bonita, a rainha do sertão. (Coloca um anel no dedo dela)

Petúnia: (Agora como Maria Bonita. Acorda quando Lampião coloca o anel do dedo dela) Nossa (abrindo a boca) Que lindeza é essa que enche meus olhos de alegria, meu coração de palpitação e meu quengo fervilhar de ideias?

Lampião: A partir de agora você é Maria Bonita, a rainha do sertão.

Petúnia: Ave-maria, meu capitão, é muita coisa pra mim numa hora só. Vejam (mostrando para os cangaceiros) Uma pedra azul que nem o céu e a água do mar. Homens, vamos comemorar com uma boa dança. Som na caixa e vamos ao xaxado. (todos dançam)

Ato 02 – O feitiço do espelho

NO OUTRO LADO

UMA CASA E UMA MULHER BUCHUDA JOGANDO MILHO PARA AS GALINHAS

D. Quitéria: tititi, pretinha, chegue minha pretinha, venha comer seu milho! Pintada, pintada, deixe de ser gulosa, não coma muito... Amarela, sua amarela, coma sem ciscar, eita galinha arretada...Vamos minhas filhas, vamos comer pra por ovos fortes, tenho que fazer boas gemadas para meu vei!

Crioulo: Sinhá Quitera, Sinhá Quietera, o coroné disse que a senhora entrasse pra dentro de casa e não saísse, o filho do capeta está ameaçano invadir a cidade e meter fogo em tudo e em todos...

D.Quitéria: Calma, Crioulo doido, deixe de alvoroço e fale com calma! Você fala um engenho e eu não entendo uma rapadura!

Crioulo: Mais o coroné disse...

D. Quitéria: Eu sei que ele disse.

Crioulo: Pois então, se sabe, deixe já esse mi aí e se abofele pra dentro de casa!

D. Quitéria: E pretinha?

Crioulo: Que tem ela?

D. Quitéria: quem vai cuidar dela?

Crioulo: E eu que sei?

D. Quitéria: Nada disso, sem minhas penosas, eu não entro...

Crioulo: Mas o home tá vindo armado até os dentes...

D. Quitéria: Não quero saber... Primeiro você pega as galinhas, depois eu entro.

Crioulo: E se ele sapecar uma bala de lá pra cá e pegar mesmo neu?

D. Quitéria: Me valha, santa Luzia, tende misericórdia de minhas bichinhas!

NO CENTRO DA CIDADE

Coroné Quincas brasa: Um bando de homens de nada, uns mela cueca, dois ou três morta fome que pensam ser os donos do universo... Mas em minhas terras não, isso não! Na fazenda Santa Luzia, ele não leva nem poeira.

Prefeito Rodolfo: Mas dizem que o cabra é valente que nem cobra em areia quente! Mesmo com apenas um olho só, é capaz de enfrentar um exercito inteiro...

Coroné: De frouxo, só se for!

Prefeito: É, se o senhor diz, eu não vou duvidar...

Coroné: E o padre Mota, já foi avisado?

Prefeito: Sim, já, mas o padre só quer saber agora de negro alforriado, livre! Está lá na igreja ensinando negro a ser gente: arranjou roupa, deu calçada, agora está ensinando as letras.

Coroné: Daqui a pouco vem atrás do nosso dinheiro! Sempre com aquela conversa de quem faz o bem aos pobres, é a deus que está fazendo.

Celina( a mesma do inicio com o vendedor entra como Celina Guimaraes, a primeira mulher a votar): Senhores, boa tarde...

Coroné: Boa tarde, dona Celina Guimaraes! Como tem passado seu esposo, o amigo Eliseu Viana?

Celina: Ocupado como sempre com as atividades na escola!

Prefeito: Estamos num sufoco! Ameaçados de ser os invadidos pelo bando do tal Lampião.

Celina: Temos de traçar um plano, não é mesmo?

Prefeito: Sim, perfeitamente, mas isso não é assunto para mulheres!

Celina: Como não? Posso ajudar a bolar uma arapuca como se fosse um jogo entre dois times.

Coroné: Mãos tão delicadas caberiam mais em aulas de piano.

Celina: E uma língua tão enfadonha caberia mais dentro da boca fechada!

Prefeito: Senhora, não fale assim com o coroné.

Coroné: Acho melhor apressarmos para não sermos pegos de surpresa...

Padre Mota: (entrando apressado) Prefeito, prefeito, prefeito, corra que o homem já chegou lá no Bom jesus! Dizem que ele está lá na igreja do menino Jesus! Ele diz que hoje chove bala nessa cidade de merda!

Coroné, Prefeito e Celina: Padre Mota!

Padre: Não fui eu que disse não, foi o filho do capeta!

LA NO BOM JESUS

Cangaceiro 01: Eita que estou com o sangue fervendo! A fim de beber sangue com farinha!

Cangaceiro 02: Pois pegue ali uma lagartixa e arranque a cabeça com os dentes!

Cangaceiro 01: (Puxa o punhal) A cabeça que vou arrancar aqui é a sua, seu filho de uma égua!

Cangaceiro 03: (levanta e faz um risco no chão com o pé) De um lado, Zé caçote; do outro, Jararaca! Quero ver quem é o mais valente, o sapo ou a cobra!

Cangaceiro 02: Venha, filho de moita, venha pulando feito gia, que eu te ensino como é que dança xaxado na brasa!

Lampião: Vamos baixar o faixo e economizar gás nas lamparinas. Daqui a pouco escurece e temos muita coisa a fazer. Essa é uma cidade de quatro torre, cercada de muitos santos e protegida pela santa Luzia! É preciso ter muito sangue frio e ser abençoado por nosso padim Ciço para que nada dê com os burro n’agua.

Cangaceiro 03: Falou o Virgulino, quando ele fala, os burros baixam as orelhas!

Lampião: Caçote, quantos homens temos no seu naipo?

Cangaceiro 01: uns trinta! Todos com sangue nos oi!

Lampião: E no seu bando, jararaca?

Cangaceiro 02: Os melhores atiradores de punhal a distancia e pontaria no bigode! Tenho trinta e três homens doidinhos para guerrear.

Lampião: Alguma resposta do prefeito?

Cangaceiro 03: Somente desafora!

Lampião: Sim, como é mesmo o nome dele?

Cangaceiro 03: Rodolfo, e é dos Fernandes!

Lampião: Sei, pois diga a esse infeliz das costas ocos, esse tal de Rodolfo Fernandes, que hoje mesmo, depois do nascer da lua, a tal cidade de Mossoró vai chover tanta bala, mais tanta bala que nenhum livro será suficiente para contar a história...

Na prefeitura...

Crioulo:( chega correndo, sem fôlego) Coroné, coroné, coroné, anda homem...

Coroné: O que foi, negro, que tanto grito é esse?!

Crioulo: Sua mulher, a sinhá...

Coroné: O que? Minha senhora? Não, não pode ser!

Crioulo: Foi sim, patrão...

Padre: Nossa, a D. Quitéria, uma mulher tão boa, uma alma tão caridosa, e agora? E agora, quem fará as campanhas de caridade, a caixinha das almas da paróquia?

Prefeito: Força, coroné, o senhor precisa ser forte...

Coroné: Eu quero justiça, Prefeito, justiça! Eu exijo a cabeça desse filho do demônio, o senhor precisa me entregar a cabeça desse maligno que fez isso com minha Quitéria...

Padre: Diga, Crioulo, como é que ela está?

Crioulo: Está lá, prostada em cima da cama.

Padre: Ai meu deus! Piedade, santa Luzia...

Crioulo: De fazer pena e dó, gritou tanto, mais gritou tanto...

Coroné: (Chorando) Não, não diga isso! O meu coração vai ter um troço!

Crioulo: Eu até pensei que...

Prefeito: Não diga mais nada, crioulo, respeite a dor do coroné!

Crioulo: Mas eu pensei...

Coroné: Chega Crioulo! Eu sou um infeliz, um infeliz! Se ela voltasse à vida, juro que eu erguia uma capela pra santa Luzia!

Padre: Sério?!

Coroné: Nunca falei tão sério em toda minha vida!

Crioulo: Coroné, promessa é dívida! E o senhor vai ter que pagar!

Coroné: Como?1

Crioulo: A sinhá está vivinha da silva, o que eu quis dizer é que ela acabou de parir! Gritava tanto, gritava tanto que até parecia que estava parindo um garrote!

Coroné: Ora seu crioulo de uma figa, e eu pensando que o tal Lampião tinha invadido minha fazenda e feito mal a minha senhora!

Prefeito: Dos males, o melhor! Ela está viva e com o seu filho nos braços!

Padre: E santa Luzia vai ganhar uma igreja! Será a padroeira da cidade de |Mossoró!

Crioulo: Eita, tão ouvindo? Perna pra quem te quer, é bala!

ENCENAÇÃO DA INVASÃO DO BANDO DE LAMPIÃO A CIDADE DE MOSSORÓ.

VOLTA A CENA INICIAL

Vendedor: Pois que foi assim, de um lado os cangaceiros, do outro lado o bando do prefeito! Era bala aqui, bala lá, bala depois dali, bala em aculá... Quem quer, quem quer, eu tenho pra vender!

Celina: (despertando do sonho) Ei, o que houve? O que aconteceu?

Vendedor: E eu é que sei?

Celina: De repente eu estava aqui, aí me vi sendo uma sinhá que deu a luz a um menino na fazenda santa Luzia, depois eu era um tal de Celina Guimaraes, a primeira mulher a vota e me vinha como sendo a Maria Bonita do Lampião!

Vendedor: E foi?

Celina: Foi sim!

Vendedor: Eu também... Quando você era a sinhá, eu era o coronel! Agente tinha um filho e eu erguia uma igreja para santa Luzia. Você era Celina, eu era o professor Elizeu Viana. Você era a Maria Bonita, eu era o seu lampião! Agora, você é uma rosa e eu sou o seu beija-flor!

Celina: Mas, eu não sei, eu não posso, minha mãe fez promessa para...

Vendedor: E eu vendo maça do amor...Veja, logo ali vem vindo a procissão da santa, caso você queira, a gente pode pedir para ela abençoar o nosso amor...

Celina: Só se for agora... ( os dois saem de mãos dadas, sobem em uma bicicleta enfitada e saem, do outro lado vem a procissão de santa Luzia).