O LAMBAÇAS
“Estória de um Bacharel”
O Lambaças? Oh, ponto e vírgula!
Fica sabendo, ó gente chula:
Eu na tropa cheguei a furriel
Quase fui para o Ultramar
Mas, porque gosto de estudar,
Na faculdade sou bacharel!
Porque é que me chamo Lambaças?
Isto é uma estória do caraças,
Que eu sempre gosto de contar,
Fomos todos fazer um picnic
E eu, achando que era chique,
Resolvi umas febras devorar.
Saiu-me cara a brincadeira
Eles ao perder a estribeira,
Bateram-me com um cinturão,
E, chamando-me de lambaças,
Deram-me só duas carcaças,
Tratando-me abaixo de cão.
Foi assim que “Lambaças” fiquei
Mas, cá para mim, eu jurei:
Começa aqui minha historieta,
Da qual eu tenho muito orgulho,
Pata-ante-pata sem barulho
Pus-me de imediato na alheta.
Deixei o centro da Cidade,
Procurei a minha liberdade
E fui para a Avenida viver.
Como não há duas sem três
Dei comigo a procurar freguês
Que me pudesse, enfim, manter.
Mas qual foi o meu espanto
O qu' passei não se faz a um santo:
Ali, mesmo juntinho à Sé
Naquela airosa esplanada
Tentei surripiar uma torrada
Mas levei logo um pontapé…
Tanto portugas, como camones,
Já não quero saber de mirones,
Vou arranjar a minha vida
Num trabalho que não dê afronta
Pois o meu futuro é que conta
E a coisa, assim, não tem saída.
Resolvi ir p' ro Conservatório,
Ali, com um sucesso notório
Vinha mesmo, mesmo a calhar,
Acho que tenho bom ouvido
E, s' algo aprender, fico servido
Pois ser artista é que está a dar.
Pensara nisso na juventude
Mas, na altura, não tive saúde.
Na minha escolinha da aldeia
Passei experiência tramada
Sofri bulling da canzoada
O que me fez a vida feia.
Olhando, agora, à minha volta,
Ver tanto lixo fez-me revolta:
Ficar ali... só por fantasia.
Fui antes para a faculdade
Que sempre é outra qualidade
E será para mim garantia.
E é aqui, na Nova, que eu estou
Feito bacharel, o que já sou…
Sabe bem ser intelectual,
Com cultura de corpo inteiro
E, como mestre ou baladeiro,
Já me não sairei muito mal.
Mas, não me esqueço das origens
Nem do passado tenho vertigens,
Todavia recordo o que passei
E me fizeram, num certo Parque
Dito dos Poetas… Fui lá de fraque
Correram comigo, e até chorei!
Eu bem disse que era formado
E por Poesia apaixonado
Mas eles, pra minha desilusão,
Fizeram pior do que animais
À vista destes brutos que tais
Como hei-de gostar desta nação?
Não seja eu cão e Lambaças,
Não comerei mais destas passas…
Irei num barco para Bristol
Parece que aceitam bacharéis
Os Bretões costumam ser fiéis
E até dará pro carcanhol.
Sou Lambaças, mas não sou tonto,
A minha vida é um belo conto
E minha experiência um património
E, já agora, aquilo que me resta,
É fazer dela a minha festa
E encomendar-me a Sto. António.
Pra fogueira, não deito mais achas
Mas espero alinhar nas Marchas
Na minha condição de Cão,
Ou não seja eu o Lambaças.
E disso cantarei muitas graças
Como baladeiro d´outra Canção!
Frassino Machado
In AS MINHAS ANDANÇAS