MONÓLOGO COM A VACA
CENAS DE ALDEIA
Monólogo com a vaca
Há certas passagens na vida que ficam gravadas na nossa memória de maneira indelével, umas tristes, outras alegres, outras jocosas, como esta que aconteceu certa tarde já em fins de Setembro, pelo tempo das vindimas, lá na minha aldeia.
Minha tia Céu casou com tio José Talório, Talório por apelido. Lá nas aldeias é já antiga tradição darem apelido a todos aqueles e àquelas que de alguma forma se distinguem das outras pessoas por alguma característica especial. Nisso o povo é pródigo. Vejamos uns poucos exemplos para ilustrar o que acabo de referir: Corneta, Latadas, Malagueta, Mocho, e interessante é que todos estes, tem nome próprio de José, outros nomes poderia aqui citar todos com apelidos os mais jocosos. Também os animais domésticos e até de trabalho tinham, e tem apelido, pelo qual atendem.
Era setembro, tempo de vindimas e, tio José descarregava um dornão de uvas no lagar, cujo transporte tinha sido feito no carro puxado por sua vaca com o apelido de “amarela”.
O local, em frente à adega, paredes meias com a antiga adega do meu pai é um tanto pequeno para certas manobras, o que exige alguma pericia quando se trata de lidar com animais. A traseira do carro tinha que ficar junto à boca do lagar que fica logo ao lado da porta de entrada da dita adega, ainda assim nada fácil à manobra.
E para piorar, a amarela naquele dia parecia não estar disposta a colaborar nas difíceis manobras para a devida descarga das uvas; mostrava-se irrequieta, nervosa, e rebelde ao comando do dono. -Chega pra cá amarela, mais um pouco pra lá, agora um pouco pra frente, anda recua mais um pouquinho, mas a amarela parecia de ouvidos moucos aos comandos do seu dono. Foi então que tio José já de paciência por um fio, e para não dar umas aguilhoadas na amarela, que além de magoar o animal pioraria as coisas, com certeza. Começa então num inusitado diálogo ao ouvido da Amarela: vaca filha da pê, alma dos diabos, raios que te partem, etc e tal.
Naquela tarde a amarela estava com a “mosca” como se costumava dizer, quando esses bovinos são espicaçados sem piedade pelas moscas no verão, que lhes infernizam a vida, deixando-os muito nervosos.
Fosse mosca, ou fosse lá o que fosse, a verdade é que a Amarela não havia maneira de obedecer. Enfim a vaca obedeceu, fosse pelos impropérios a ela desferidos, ou por outro motivo que não sabemos. eo carro com a preciosa carga se ajustou no lugar certo.
Diga-se que tio José, era famoso lá na terra pelo seu repertório de palavrões. Era homem simples, de estatura avantajada, de boa índole, mas desbocado ao extremo. As pessoas tão acostumadas já nem ligavam e achavam aquilo coisa normal dito pela boca do tio Zé.
Minha tia Céu era pessoa extremamente pudica, tímida, muito religiosa, e morria de vergonha com seu desbocamento. Era o tipo de casamento que não dava para entender como pôde ter acontecido, e dado certo.
Até hoje a Turene quando recorda da inusitada cena não pode conter o riso; apesar de que ela também não gosta de palavrão. Mas costuma dizer que, aquela cena deliciosa seria digna de uma peça de teatro das comédias.