Mas Que Diabos!

NUM RESTAURANTE QUALQUER ...

Mirando está sentada mexendo no celular, quando Eduardo se aproxima e senta-se junto dela. Ele estava atrasado.

EDU: Amor, mil desculpas! Me atrasei! Trânsito da Barra é escroto!... Tá esperando há muito tempo? (dá um beijinho nos lábios dela, por cima da mesa)

MIRANDA: Relaxa, amor. Cheguei agora, só pedi uma água!...Mas vai, me fala! Qual o tal segredo milenar que você tem que me contar?

EDU: Tá curiosa, né? Sua linda!

MIRANDA: Muito! Fala logo! É a viagem pra Noronha?

EDU: Tá! Vou falar! Sem firulas, ok?

MIRANDA: Ótimo! Fala!

EDU: Então, você acredita... No fim do mundo?

MIRANDA: (desanimando) – Como é que é?

EDU: Fim do mundo? Apocalipse! Novela da Record! Cê acredita que isso seja real?

MIRANDA: Peraí, Edu...(risos de nervoso) Era sobre isso? Me tirou de casa nesse sábado de chuva, com final do Campeonato Carioca na televisão, sinal da HBO liberado, pra me perguntar se eu acredito no Apocalise? Podia ter me peguntando pelo Whatsapp!

EDU: Então, eu queria te dizer que o Apocalipse tá aí, daqui a 20 minutos, e eu tenho notado que tu num tá me parecendo tão preparada pro caos que está por vir!

MIRANDA: Ah, sinceramente... (levantando-se) – Tô pedindo Uber! Vamos comer lá perto de casa mesmo, paga só a água! Aqui é caro!

EDU: (aumentando o tom de voz) – Miranda, eu não sou quem eu digo que sou!

MIRANDA: (Senta-se de novo) - Como é que é, Eduardo?

EDU: Eu não sou quem eu digo que sou esse tempo todo! E eu te trouxe aqui para te revelar as verdades!

MIRANDA: Você acha que eu sou idiota? Isso é outra mulher! É papo de homem com duas famílias!...(encosta a testa na mesa e fica batendo devagar) – Eu sou uma idiota!

EDU: Não é nada disso!

MIRANDA: Você me traiu?

EDU: Claro que não! Você é perfeita pra mim!

MIRANDA: Ownnnn! Que lindo, amor!

EDU: Não! Não é lindo, não! É muito sério!

MIRANDA: Então qual o problema?

EDU: Miranda...Eu sou... O DIABO!

As luzes do restaurante piscam várias vezes.

O garçom se aproxima do meio do salão.

GARÇOM: Gente, foi só uma queda de energia no nosso dijuntor, mas já consertamos!

MIRANDA: Você é quem?

EDU: O Diabo! O Senhor das profundezas!

MIRANDA: Ah, eu sempre estranhei você trabalhar numa multinacional e ter um salário curto desse. Você trabalha consertando esgoto? Podia ter me contado! Eu amaria você do mesmo heito, Edu!

EDU: Miranda, pelo amor de Deus, você é pós-graduda... Eu sou o Tinhoso! O Cão! O Belzebu! O DEMÔNIOOOO!

As luzes do restaurantes piscam novamente.

O garçom apenas dá de ombros.

MIRANDA: Ah, sinceramente... (começa a rir) – Tô namorando o EXORCISTA! Nossa! Daqui a pouco vai vomitar verde?

EDU: Deboche? Sério? Eu sou o diabo, e o mundo vai acabar dentro de alguns minutos. Tô te revelando, pois quero te levar comigo pro inferno!

MIRANDA: Ah, você tá muito esquecido! Cê já vez isso quando nós casamos e fomos morar em Realengo!

EDU: Miranda, vai ser horrível! Pragas! Ondas gigantes de lava! Chão se abrindo! Dragões! Angústia!... A sensação de angústia vai ser tipo a menstruação atrasar depois de tu dar pra um cara escroto na balada, e no dia seguinte se arrepender. TENSO!

MIRANDA: Num sei... É pesado isso pra mim! Até ontem você chorava assistindo “Marley & Eu”... E agora tu vem pagando de “Lúcifer”!. Se põe no meu lugar, meu dengo!

EDU: Eu sou ele sim! O que o Bispo Macedão fica caçando! Que o Padre Quevedo dizia que não existia! E tô me revelando pra que você seja salva comigo!... Aceite!

MIRANDA: Isso é desculpa pra não viajar com meus pais no fim do ano? Eu sei que você odeia Rio das Ostras, mas é o que temos!

EDU: Nem ano novo vai ter esse ano, minha luz! Eu vim a Terra para curtir esses últimos anos, acabei me apaixonando por você e sua família...Ah! Sabe o Juan, nosso filho?

MIRANDA: Claro, né? Saiu de mim!

EDU: Lembra que a professora chamou ele de pequeno demônio? Pois é! Ele é um pequeno demônio, pois é o anticristo! Cê nunca reparou aquele rabinho nascendo nele. Aqueles galos na testa que parecem chifres. Ele falar dormindo com a voz do Cid Moreira... Nosso filho é o senhorzim das trevas!

MIRANDA: - Se minha mãe te visse falando isso, ela só ia confirmar as suspeitas dela de que você fuma maconha!... Com esse papo de diabo então... Vai achar é que tu tá se afundando no crack, garooooto! Pra virar viado é um pulo!

EDU: Eu tenho dez minutos para te convencer, e assim, te levar comigo sem dor para o inferno. Você vai amar...

MIRANDA: Tá, digamos que você seja (faz aspas com os dedos) -O DIABO!...

EDU (segurando as mãos de Miranda): - Num faz aspas não! Eu sou mesmo o diabo, ô porra!

MIRANDA: É sim... Mas digamos que você seja mesmo ele (engrossando a voz) –“Ohhhh! Eu sou o diabo!”...(volta a voz normal) - Onde Deus entra nessa história?

EDU: O Cara perdeu a fé na humanidade! Tá em Noronha esperando o mundo acabar, e pensando no que vai fazer depois do fim.

MIRANDA: Bem a cara D’ele! ADOOORO!

EDU: Dai-me paciência...

MIRANDA: Ok, então prove!

EDU: Provar como?

MIRANDA: Sei lá!... Adivinhe quantos dedos estou mostrando embaixo da mesa!

EDU: Isso é do filme “Todo Poderoso”...

MIRANDA: Então pronto! Adivinha!...(sarcástica) - Ou só Deus consegue adivinhar as coisas? Heim? Babado, heim... Pra mim o diabo era cabra macho!

EDU: Não venha me comparar com Ele! São departamentos e modus operantis totalmente diferentes!... Ok, é show de mágica que tu quer? (estala os dedos) -Então você vai ter!... Pode começar... Vambora!

MIRANDA: - Lá vai!

EDU: ... Cinco!... Três!... Dois!... Nenhum!... Cinco de novo!... Agora você tá estalando os dedos!... Cinco de novo!... Nenhum de novo!... Agora sua mão esquerda está na sua virilha... Agora... Ah, chega! Ainda não te convenci?

MIRANDA: Na verdade não... Ah! Já sei! Você é o diabo, né?

EDU: Sim, eu sou! É isso que estou tentando te convencer...

MIRANDA: Ok! Então se tu é mesmo o demônio... Possua o corpo de alguém!

EDU: Ah, aí já é demais!

MIRANDA: Tu num é o diabo coisa nenhuma mesmo!

EDU: Possuir alguém é maior trabalheira! Tem que mandar a papelada lá pro purgatório, esperar a segunda via chegar...

MIRANDA: - Diabinho pão-com-ovo...

EDU: (levanta-se irritado) – Escolhe alguém! Vai! Escolhe qualquer pessoa aí, que eu possuo! Anda! Agora tu escolhe, caralha!

Miranda procura por alguém com os olhos. Até que sorri e levanta a mão chamando o garçom.

EDU: Poxa, você vai querer que eu possua o Zé Nilton?... Poxa, ele é tão legal! Já me fez várias oferendas... Sempre com vinho bom!

MIRANDA: Agora o demônio tem preferências é? Quem diria!... Tudo bem, tudo bem, não precisa possuir ninguém! Só não espere que eu acredite que você é o...

EDU: Ô, garçom! Oi!... Vem aqui um instantinho? Aqui, meu bom!

O garçom se aproxima sorridente, e com um cardápio nas mãos. Edu o encara com dó, dá três tapinhas em seu ombro e o abraça. Depois começa a fazer caretas até que o garçom parece em transe.

EDU: Tá comigo!

O garçom começa a se debater e a ficar com as mãos tortas. De repente ele solta uma risada grave e demoníaca!

EDU: Pronto, Miranda! Tá aí, ó! Esse cara, pai de seis filhos, arrimo de família, já tá possuído pelo demônio! Acredita agora?

MIRANDA: ... Você não é o diabo!

EDU: Você tá vendo filme demais! Vai querer que ele gire a cabeça?

MIRANDA: Diabo porra nenhuma...

O clima fica sombrio! Raios, trovões, as luzes piscam. Uma ventania toma conta do local, Edu começa a ficar irritado, sua voz fica demoníaca.

EDU: Basta! Sua desconfiança já passou dos limites! Agora não terei mais pena! A humanidade pagará, e você irá com eles para o sofrimen...

GARÇOM: Oi?... Eu já posso voltar pra cozinha, meu bom?...

EDU: (volta ao normal) - Opa! Pode sim, Zé Nilton! Valeu hein!... Toma aqui um trocado! (coloca algum dinheiro no bolso do garçom). E manda um beijo pra Zenaide, viu!... Esse Zé Nilton é uma figura mesmo! Cabra bom!

MIRANDA: Edu! Vou embora, sabe! Você conseguiu estragar a noite! E eu pensando que finalmente tu ia me pedir em casamento! Muito ingênua...

EDU: A gente se casa no inferno! Lá tem tudo! Só num vai ter cerimônia religiosa... Nem igreja... Nem padres...

Um homem se aproxima com uma bíblia na mão. É um pastor.

PASTOR: Boa noite, casal!... Tudo bem?

EDU: Boa noite, senhor! Tudo bem sim.

PASTOR: Graças à Deus!

MIRANDA: Amém, senhor!

PASTOR: Eu sou o pastor Jerônimo. E eu estava ali ouvindo de minha mesa, sem querer ser invasivo, mas vocês estão com algumas conversas muito estranhas sobre demônios... Possessão... Apocalipse...

MIRANDA: Mais respeito pastor, o senhor está diante do próprio (fazendo aspas com os dedos) DIABO!

EDU: Tá fazendo aspas com os dedos por quê? Para com essa merda! Isso me irrita!

PASTOR: Ah, tu é o diabo?

EDU: Sim, eu sou o diabo, pastor. E o senhor não pode fazer nada contra mim!

PASTOR: Ah, não posso? (segura a bíblia como se fosse uma arma)

EDU: Que merda é essa?

PASTOR: Perdeu, Diabo! Bora! Sai desse corpo! Bora! Sai desse corpo!

EDU: Sair de onde? Eu sou o próprio diabo!... Eu não estou possuído!

PASTOR: Não me obriga a te machucar, cara! Bora! Sai desse corpo! (dá tapas no rosto de Edu). Pede pra sair! Bora! Sai demônio!

EDU : ( voz maligna) -Bastardo! Irás sofrerdes com essas atitudes nas chamas do infer...

O garçom volta.

GARÇOM: Algum problema, senhor?

EDU : (voz maligna) -Tá tudo tranquilo, Zé Nilton! Fica tranquilo!

PASTOR: Sai, Diabo! Sai!

EDU : (voz normal) - Queridão! Eu sou o diabo! Sério... Olha, toma aqui duzentos Reais, e me deixa em paz!

PASTOR: Tá livre! Aleluia! Aleluia... Milagre!

O pastor para de gritar, guarda a bíblia e sai assoviando como se nada tivesse acontecido.

EDU: E agora? Acredita?

MIRANDA: Você arma o maior barraco, e ainda vem querer que eu acredite que tu é o diabo? Você é um barraqueiro, isso sim! Sai de Realengo, mas Realengo num sai de tu!

EDU: (olhando as horas no relógio de pulso)- Ah, Miranda! Vai pro inferno então!

Ouvimos uma explosão. E assim o mundo acaba.

FIM

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 09/04/2019
Reeditado em 09/04/2019
Código do texto: T6619556
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.