SUMARIAMENTE DESPEDIDA PELO “WHATSAPP”
Essa crônica de Humor se baseia em fatos reais que me narraram por aí quando, por analogia, imediatamente lembrei duma famosa peça teatral.
Se alguém que me lê já foi assistir “FULANINHA E DONA COISA”(ainda não fui) logo saberão do que se trata, ou seja, das relações pessoais no geral, mas principalmente daquela que se trava entre os ditos patrões (vocábulo dinossáurico!) e secretários domésticos semanais (termo progressista da justiça social): um verdadeiro casamento como qualquer um, relações que não mudam nunca, desde a pré- História até a era de vanguarda social que vivemos.
Se houver alguma coincidência de fatos não terá sido plágio, portanto.
O tema rende atritos, peças teatrais, novelas, “stand-ups", textos de rancor e até de muito humor.
Tempos hilariantes do politicamente muito difícil.
Patrão? Que coisa é essa? Empregados? Ara, que vocábulo mais opressor!
Época de direitos e deveres, e pelo que me contaram, época só de deveres ao empregador e só de direitos aos caridosos secretários do lar. Quem mandou ser esse ser horripilante , insensível e injusto que precisa de alguém para ajudar nessa coisa inacabável de serviço do lar?
Que mundo humanamente tão desigual seria esse, afinal?
Então, eis o desabafo narrado que ouvi do interlocutor, depois de quinze anos de relações humanas semanais bem amigáveis e bem “equitativas” no trato humanístico.
-Bom dia, venerável ciclana, estava esperando você com um café bem quentinho e torradas com bolo de banana. Quer que eu sirva? Fui eu que fiz o bolo integral. Se quiser tem um creme de aveia. Estou indo, já bem atrasada para o meu trabalho.
-É café de máquina? Se for, eu não gosto! E a senhora tem adoçante ou açúcar mascavo?
Seu bolo não tem gosto de nada...e aveia prende minhas tripas!
Comprou a minha granola light?
-AH, venerável ciclana, acabou tudo, nessa semana ainda não tive tempo de comprar, você me desculpe.
-Então deixa o café pra lá. Tomo o meu, em casa. Vou tomar um banho e me trocar para começar. A senhora organizou a casa para eu limpar? E o almoço não vai ser congelados, vai?
-Está tudo organizado e bem limpinho. O almoço você pode pedir a “quentinha”, o dinheiro para ela está aqui.
-Não comprou aquela marca de sabão horrorosa , não é? Já lhe expliquei que o barato sai caro! E aquele limpador de vidro tem um cheiro que me enjoa. Compre um sem odor, meu médico me disse que cheiro faz mal pros pulmão. Tem limpador de inox? Acabou o amaciante. Usei o restinho dele nos panos de chão.
-Ok, vou providenciar tudo. Será que hoje você, humm, por gentileza, será que poderia limpar os tapetes? É que faz meses que...
-Eu já expliquei para a senhora que só limpo os tapetes se não chover. Se chove e a gente limpa eles fica com aquele cheiro de cachorro molhado. E tem mais, seus tapetes me dão alergia, e é meu direito de trabalhador não ter doença no trabalho.É melhor tirar esses tapetes daqui!
-Ok, claro, você está certa. Ah, sabe os panos de prato decorados que ganhei, aqueles que a água sanitária desbotou na primeira lavagem?
-Eu já falei pra senhora que água sanitária mata os micróbios da cozinha e do banheiro. Não tem jeito. Desbota tudo mesmo, mas desinfeta os bichos! Se bem que eu ainda não acredito muito nessa coisa de micróbios...
-Daria para não colocar os panos de chão na máquina de lavar, nem os tênis ,justamente por causa dos “micróbios”? Eles existem sim, acredite. Ah, e aquele vidro da porta, aquele bem grande que você quebrou sem querer, eu sei, você me explicou que foi choque térmico, eu entendi, já foi consertado-viu?, sem ônus para você, não vou descontar nada apesar do custo enorme; também nem precisa repor as três semanas que você viajou de férias sem me avisar com antecedência, seu direito de trabalhador aqui é sempre garantido.
-A senhora ao menos colocou um vidro mais fácil de limpar? É dever do patrão humanizar e facilitar os serviços. Aquele vidro me deu tendinite...
-Ah, claro, e por falar em limpar, daria para você limpar o bar, ao menos uma vez a cada seis meses? É que o eletricista subiu para trocar uma fiação e a poeira...se bem que ele acabou dando uma limpadinha pra poder enxergar tudo melhor...e hoje vai ser mais fácil de limpar o que já está bem limpinho, ok?
-Eu já falei pra senhora que eu só limpo o bar se a senhora me ajudar! Se ficar perto de mim! Depois quebra um cristal e a culpa vai ser minha! E hoje, depois das três semanas que viajei, eu estarei muito ocupada por aqui, muito trabalho acumulado, já que a senhora não arranjou ninguém para me substituir.
-Ok, vou me planejar para esse nosso trabalho conjunto, num dia mais calmo para você e para mim, tá certo.
-E por falar em trabalho, a senhora não vai aumentar minha diária? Sempre ganhei duas vez mais que minha cunhada que dá aula numa escola pública! E olha que ela estudou a vida toda…e trabalha dentro e fora da escola.Se bem que ainda ganho mais que ela...
-É que…sabe, os salários estão mais ou menos congelados...a crise...
-Congelados? Crise? Que crise? Mas se a senhora até colocou roupa de cama nova no mês passado! Como assim? Pensa que não vejo? Se bem que tava precisando mesmo... Essa coisa de emprego difícil e salário baixo é coisa pra boi dormir! Quero meus direitos de trabalhador do trabalho duro.
-Ok, vou me planejar para o seu aumento. Enquanto isso… daria, por favor, para você esvaziar o aspirador a cada dois anos? Descobri que entupido de pó ele não funciona mesmo. E aumenta o gasto de energia elétrica. Que dobrou por causa dele. O técnico me avisou.
-Esses técnico…acham que só porque estudaram sabem tudo! Eu só esvazio o aspirador se acender aquela luzinha…sigo o manual e pronto! Eu sei trabalhar. Ninguém precisa me ensinar o que devo fazer...
-Ah, claro, me desculpe, não foi minha intenção, só uma coisinha: daria, por gentileza, para você cumprir seu horário de lei e não ir passar roupa na vizinha no horário que eu lhe pago?
-Mas a senhora me paga muito mal! Onde já se viu? Tenho que compensar de algum modo! E também, se eu sair muito cedo da minha casa posso ser assaltada;e se sair muito tarde daqui, além do arrastão no ônibus, eu só chego em casa noutro dia, nada feito, isso não é justo comigo, e se quiser a alta qualidade do meu serviço, vai ser assim, passando roupa na casa da vizinha depois que fiz todo o trabalho bem feito e bem trabalhoso daqui.
Eu sou esperta e muito eficiente.
- Ok, decerto que é, entendo sua dificuldade, então, fica tudo como está, no seu mais preciso direito de trabalhador.
No dia seguinte, me contou a inconformada narradora do causo, tocou o seu WhatsApp.
Era uma mensagem de voz da venerável “dona ciclana”.
“Óia, sô eu, me desculpa o jeito, dia tal eu tive aí, pensei bem, queria explicar, conversar, não tive coragem, mas a senhora está dispensada para arrumar outra faxineira. Agradeço demais sua colaboração de todos esses tantos anos. Muito obrigada mesmo, de coração, por tudo, mas por tudo mesmo, que a senhora fez por mim e pela minha família”.
A tal da "patroa" me disse que pensou bem e chegou à surreal conclusão de que prontamente teria que arrumar um outro emprego a si...dentro da sua própria casa.
Tempos curiosos esses, que rendem todo o direito de boas reflexões e perplexas gargalhadas.