LENDO O MANUAL…DE CONGELAMENTO DO TEMPO

Quem bem me conhece sabe que não sou de compras compulsivas principalmente se o assunto for eletrodomésticos e eletroeletrônicos.

Posso estar com algo dinossáurico e daí? Tá funcionando? Tá favorecendo algum risco? Tá incomodando alguém? Não? -então fico com meu equipamento de museu…até o último segundo do último tempo.

A natureza agradece e o bolso também.

E foi assim que em pleno Natal, naquele calorão dos infernos, minha geladeira, outrora dita…”duplex”, resolveu dar ares geriátricos pelo seu tempo. Claudicou, resfolegou…e parou.

Quanto tempo de vida?

Conto no final, se ela me permitir o que sociologicamente, antes da igualdade de gênero, era considerado uma indelicadeza se perguntar.

Bem, então, não tinha outro jeito, a não ser enfrentar a “muvuca” da época e os preços nada encorajadores…do momento.

Mas o que realmente quero falar é sobre a utilidade SOCIOLÓGICA dos manuais dos atuais produtos.

Alguém aí lê manual? Então leiam e verão como são úteis!

Confesso que toda troca me estressa…toda! Ler manual, então, é prova ergométrica nos dias de hoje.

Olhar o equipamento novo também me gera insegurança, parece que estou numa cabine de avião.

"o homem prefere a tragédia às mudanças" algum sábio filósofo já escreveu.

E claro, de tão inquieta que fiquei resolvi ler o manual. O quê?

Que que é aquilo, meu Deus?

Digo que eu só queria repor uma geladeira que ficasse bem fresquinha. Pronto, já estaria de bom tamanho!

Mas não, nada é tão simples nesses nossos dias, o tal do manual, além de ser uma franca ameaça (leia atentamente e siga cada uma das instruções senão toda a culpa será sua!) não é apenas uma leitura complexa, longe disso, é um compêndio de ciências humanas, tecnológicas e linguísticas, afora o ensinamento da revolução sociológica que inclui mudanças dramáticas no meio; e só percebi o que narro depois de ler orientações como: Aperte o botão "on, off, off, on" por três segundos para começar a entender o funcionamento: não jogue água dentro do refrigerador, não nade na água do gelo descongelado sob risco de acidentes, cuidado com seus dedos ao manusear as travas das prateleiras, cuidado com o ajuste da temperatura e da pressão atmosférica de fora e de dentro do equipamento, faça a variação de “menos dezenove até mais três” a depender da estação do ano orientada no "clima tempo", não tire os parafusos de nenhum local dos suportes, não use querosene, nem gasolina, nem produto inflamável para a limpeza, cuidado com o gás, há risco de explosão e incêndio, portanto, não use fogo nem velas acesas para tirar odores, nem secador de cabelos para descongelá-la; certifique-se que sua rinite esteja curada para que perceba o mínimo odor diferente exalado da sua geladeira, assim, não use alho nem arruda no seu interior para tirar “ mal- olhado”, não pulverize inseticidas dentro do refrigerador (genteeee, como assim?!) não lhe dê banho de sol nem de chuva, ao fazer reversão do freezer não entre na geladeira sob risco de levar um choque elétrico e ser cardiorevertido sem volta, cuidado com seus pés e com os das crianças ao se equilibrarem na beira da geladeira para brincar de gangorra, feche os olhos ao olhar para as lâmpadas de “led” sob risco de ofuscar a visão e se acidentar, não dependure nada para secar no gradil de proteção que “só parece” um varal ali atrás dela, e, se faltar energia, (essa orientação foi a que mais me assustou, juro!) ligue prontamente para empresa fornecedora de corrente elétrica e certifique-se de que não demorará mais que uma hora para a volta dela.

Caso a energia não volte siga as instruções tecnológicas “by yourself”.

Mas não anexaram o dicionário de inglês técnico, nem tradução simultânea com libras, inclusive.

Daí eu me desesperei! E se a energia só voltar na semana seguinte? Entendi que havia comprado um produto errado, ou seja, a minha nova geladeira não foi feita para uma cidade cognominada SAMPA.

E logicamente, ato desesperado sempre contínuo, eu me perguntei se o tal do manual fora feito exclusiva e carinhosamente para o meu país chamado Brasil, dadas as tantas recomendações sociológicas específicas, personalizadas ,ora ali tão bem explicadas para os “usos e costumes “ em voga no meu meio.

Vou contar de mais uma advertência que me deixou estupefata: ”esse produto só pode ser usado por pessoas em perfeito estado das funções cognitivas”; e claro,me senti aliviada por não ser obrigatório um atestado médico para a liberação do uso do refrigerador.Ufa!

Agora que estou mais calma e conformada, já contando o meu estressante causo, aguardo apenas o encontro duma nova tomada compatível com o novo modelo de plug do aparelho, já que aqui não o temos no padrão internacional; e bem ansiosa aguardo pela instalação do produto “by ourself” mesmo, já que cobram dez por cento do valor dele para uma instalação COM MENOR risco de vida. Vou arriscar!

Garantia estendida e gratuita devia é ser para o coração da gente...isso sim!

Depois que eu ligá-la com toda coragem…eu conto se deu certo.

De fato, novos tempos, em que não é difícil apenas se trocar uma simples geladeira …

Precisamos anexar um manual de comportamento em tecnologia dos novos tempos!

Ah, ia me esquecendo: assim que comprei o novo produto, o velho ressuscitou: voltou a funcionar. Era só fazer um “ajustizinho” no termostato que não aguentou tanto calor sazonal.

Moral da história: minha velha geladeira me contou que voltar ao novo mundo depois de dezessete anos é como nascer noutro mundo bem assustador.

A culpa deve ser do aquecimento global.

Sugiro, então, que nos próximos refrigeradores haja um “tempostato”…Assim, pra não "virar água", ao primeiro sinal de mudanças do tempo logo abrirei um novo manual de auto congelamento…

Feliz 2019 a todos!