ÓCIO

Olhou para o relógio que estava sobre a mesa e ouvia seu tic tac, seus segundos intermináveis. Era muito vagaroso. Decidiu não se preocupar com o tempo. Deitou-se na rede e olhou para o teto. As telhas, umas sobre as outras sem nada que as colassem, sua ligeira inclinação e as águas, as águas da chuva não molhavam a casa, era tudo drenado. “Interessante...” – pensou, mas não pronunciou a palavra; até quis, mas não havia ninguém para ouvir sobre suas observações. Havia o ruído do tic tac, tic tac, tic tac...

Pegou o relógio. Havia passado exatos dois minutos e trinta e um, trinta e dois, trinta e três, trinta e quatro segundos. Ficou contando os segundos. Três minutos e dez, e onze, e doze... “O que estou fazendo?” Tirou as pilhas do relógio. “Pronto! Agora o tempo está parado, não preciso mais me preocupar com isso.” O relógio na mão esquerda, as pilhas na direita. “Pensando bem, o tempo não vai deixar de passar porque meu relógio está sem pilhas.” Devolveu as pilhas. Tic tac, tic tac, tic tac.

Levantou-se da rede e jogou sua máquina do tempo longe, onde não mais pudesse ouvi-la. Ora, não bastava ficar lhe mostrando o tempo passar em seu momento a sós com sua ociosidade, tinha também que fazer barulho?

Deitado na rede, novamente, ainda podia escutar em sua mente o som compassado... Tic tac, tic tac, tic tac.

Olhou para as paredes. “Por que são verdes? Por que o antigo dono da casa as havia pintado daquela cor, por que não azul ou rosa?” Trinnn, Trinnn, o telefone residencial toca. Ele se pergunta: “Quem será?” “Alguém para me tirar desse ócio, dessa solidão.”

- Alô!!

- A OI (operadora de telefonia) informa que até o presente momento não consta em nossos registros o pagamento do...

Ele desliga o telefone. Deita na rede mais uma vez e volta a olhar para as paredes. “Essas paredes deviam ser pretas que assim não daria para ver tanta sujeira grudada nelas.”

Um barulho na cozinha. Levantar ou não levantar? Verificar ou não verificar o ruído? Eis a questão! Não, claro que não levantaria dali só para espantar um ou dois ratos que a toda hora rondavam a cozinha derrubando tampas, fuçando as panelas.

Ele continua na rede. Fecha os olhos. Abre os olhos. Fecha. Abre. Fecha. Abre. Fica abrindo e fechando os olhos. “É incrível como posso emitir uma ordem a qualquer parte do meu corpo e imediatamente ela obedecerá.” Sentia-se agora o senhor de seu corpo, pois podia abrir e fechar seus olhos sempre que quisesse.

Olhou o relógio agora distante. Haviam se passado exatos oito minutos desde que olhara pela primeira vez. “Absurdo!!! Por que o tempo passa tão devagar?” Passou a observar toda a casa. “Melhor não olhar para o chão... Um dia ainda varro a casa.” Não, não ia olhar para o chão apesar de já ter se acostumado com lixo espalhado por todo canto. A mesa também não estava muito arrumada. A estante... Quanta bagunça; quanta sujeira! “Meu Deus, acho que a culpa não é minha da casa estar suja desse jeito. Não sou culpado de tanta sujeira.” “De quem é a culpa?” Essa pergunta se intrometeu em suas divagações. Esforçou-se para responder: “Ora, eu..., eu..., ando muito ocupado. Isso mesmo; ando muito, muito ocupado. Quando minha vida desafogar mais, eu arrumo a casa e quem sabe até lavo os pratos.”

Maurício tinha razão; um dia arrumaria a casa, lavaria os pratos, a privada, limparia o chão. Não precisava ser agora que estava tão ocupado com suas abstrações.

Outro barulho veio da cozinha. Mauricio mexeu a cabeça buscando ver algo e, dessa vez, ele o vê. Não era um simples rato, mas uma ratazana, um gabiru. Era enorme e tão gordo que tinha dificuldades de locomoção. “Desgraçado, anda comendo mais que eu. Um dia ainda compro veneno.”

- Correioooo, correioooo! Agora não tinha jeito. O carteiro chamava.

“Por que esse filho da puta não coloca a correspondência na caixa de correio e se manda?” Recebe o papel.

- O senhor tem que assinar.

Ele assina; volta, joga a correspondência na estante, liga a televisão e deita na rede novamente. No canal oito não passava nada interessante. O canal 10 só passava coisas desinteressantes. O cinco transmitia coisas repetidas. Ele não tinha muitos canais. Enfim percebeu que não tinha nada para assistir. Ficou mais tempo na rede sem fazer nada, com a televisão ligada, mas sem prestar atenção.

“Eu poderia começar a ler um livro.” Esticou a mão para ver se alcançava algo na estante. Não alcançava. Desistiu! “Qualquer dia eu leio algo”

Mauricio resolveu dormir e talvez, quando acordasse, acordasse com ânimo para fazer alguma coisa.