MEU AVÔ É DEMAIS
Hoje estive lembrando do meu avô. Daquelas figuras que costumamos dizer, é 10. Sempre bem-humorado, adorava pregar peças nos netos. Lembro de ter estado com ele poucos dias antes de partir e ocupar uma cadeira ao lado do pai. Num destes dias chamou-me e pediu para levar as ovelhas e cabras na roça. Sabendo das posses dele e de sua segurança com elas, pedi um valor elevado pelo serviço – ainda nos tempos dos réis – ele ofereceu a metade do que pedi. Fui lá e vim cá, ficou num preço bom pra mim, acima do que ele ofereceu. Um trabalho danado, os bichos entrando na mata, eu correndo atrás, passando por cima e por baixo de garranchos de paus, mas, enfim fiz o que ele pediu. Voltei apressado e receber o dinheiro, chegando ele me deu a metade da metade do que tinha oferecido da primeira vez, olhei com cara de zangado ele se levantou dizendo: quer não, me dê de volta. Eu necessitado, nem preciso dizer minha decisão. Já tinha passado da hora de janta, resolvi aproveitar e fazer uma boquinha por ali mesmo. Comida na casa dele era fartura, no entanto, era meu avô. Disse que estava com fome, ele apontou a cozinha e falou que lá tinha uma panela com um resto de baião de dois: entre e sirva. Entrei peguei um prato e uma colher, destampei a panela e vi apenas um pouco de feijão puro no fundo dela. Não me fiz de rogado, coloquei o feijão no prato, pequei um banquinho e sentei ao lado dele. Percebeu que tinha sentado ali, apenas para mostrar que só tinha feijão na panela. Ele viu, ficou em silêncio por alguns instantes e depois falou num tom alterado, como quisesse se justificar.
- Já disse a muié, que não faça mais baião de dois com este feijão. Não tem arroz do mundo que dê pra ele. Calado estava calado fiquei. Retrucar, Deus me livre.
Terminei de engolir meu feijão e já levantava pra ir embora, ele pediu mais um favor. Tinha uma lata com feijão em bajes secas quase estralando, tremi em pensar que me botasse para debulhar o feijão, mas não. Pediu que colocasse em cima de um pedaço de lona e fosse até o chiqueiro buscar o galo peitudo. Não entendi nada, nem conhecia o tal, mas fiz o mandado. Voltei com o galo nas mãos, ele apontou a lona e coloquei o galo lá. Meu avô pegou um punhado de caroços de milho e jogou no meio das bajes e voltou a sentar em seu banquinho como se nada estivesse acontecendo. Fiquei ali admirado, olhando aquele serviço. O galo realmente não tinha penas na região do peito, também pudera, tinha uma perna só e toda vez que ciscava as bajes para catar o milho, caía e estralava as bajes e o feijão ia aparecendo. Achei uma judiação, mas ele disse que aquele era seu galo de estimação e aquele trabalho era exercício para seu peitoral. Amanhã cedo, antes dos outros galos acordarem, ele tá batendo asas e cantando, acordando todo mundo e se aparecendo para as galinhas. E finalizou: é um galo ensinado.