A CADELINHA QUE DONA ZEFINHA TINHA
Vivíamos o último quadrante do século passado. Ainda se viam no Rio de Janeiro, mais precisamente em Copacabana e no Leblon, os espasmos da alta sociedade (paparicava-se Ibrahim Sued, a fim de aparecer - ademã - nas colunas jornalísticas do "high society"). Toda gente fina se julgava "um ser superior", em especial se residisse na cobertura de um prédio (quase sempre de luxo). É que qualificava seus convizinhos (demais condôminos) como "seres inferiores", i.e., todos os que morassem nos andares mais abaixo do seu pertenciam a outra classe.
Era nesse pedestal que se sentia dona Zefinha, viúva de um juiz, se não me engano, um certo doutor Moura.
Dona Zefinha economizava o que podia; pobre viúva, não se sustentava com uma pensão de quase mil reais por dia. Economizava até mesmo alimentos indispensáveis à sobrevivência, que era pra ter condições de exibir alta granfinagem no seu meio social: o melhor vestido era o seu; as mais raras joias, sapatos do último modelo eram seus... O carro, nem se fala ! . . .
Certa vez ela precisou consertar a cozinha. Contratar uma empresa especializada, nem pensar ! . . . Chamou o primeiro pedreiro (operário desempregado) indicado pelo porteiro. Ela mesma faria as vezes de arquiteta. Acertaram o preço, após barganha - tudo verbalmente -, com a condição de ela não fornecer o almoço. Parágrafo único: ele se obrigaria a trazer sua marmita de casa. Ambos concordes.
No dia seguinte o operário começou o trabalho de demolição, logo às 08h00.
Parou, mais tarde, por duas horas: intervalo para o almoço, até por exigência das normas condominiais. Ela o repreendeu por conta da poeira que inundou todo o apartamento. "Nas duas horas de intervalo para o almoço (período de silêncio exigido pelas normas condominiais) você vai limpar toda a sujeira espalhada pelo chão e sobre os meus móveis", ordenou dona Zefinha.
- "Agora, não, minha senhora! Prefiro obedecer ao nosso contrato verbal. Hora do almoço, pra mim, é coisa sagrada. Além do mais, preciso me guiar pelas regras do condomínio" - e foi desensacolando sua marmita cheia de macarrão, mais nada. Sentou-se num batente e começou a almoçar, fio por fio puxado com as mãos...
- "Mas que nojeira !... Quando acabar isso aí, lave essas mãos e vá logo limpando aquele chão !" - Impôs autoritariamente.
O cheiro do macarrão atraíu a cadelinha de dona Zefinha. O pedreiro, comovido com o seu fungado, pôs alguns filetes de sua "macarronada" na boca do animalzinho esfomeado.
Ufa ! . . . Dona Zefinha se desesperou quando viu a comida de "seres inferiores", fios de macarrão dependurados na boca, feito lombrigas, e sendo engolidos por sua mimada cadela.
- "Maldição !"... - Berrou, estrepitosamente. . . Seus rugidos chamaram a atenção da vizinhança, que, assustada, acionou o síndico.
Nesse ínterim, dona Zefinha liga para o veterinário e se encoleriza mais ainda com o que ouviu. Provavelmente um "isso não é nada" ou mesmo o novo preço da consulta...
Chega o sindico e pede para entrar, claro, autorizado pelas normas. Encontra o pedreiro trabalhando (embora na limpeza) em horário não permitido. Aplica multa correspondente a uma taxa de condominio, conforme regulamento. Outra multa mais elevada por se estar procedendo a uma reforma sem a imprescindível avaliação e permissão condominial. Ainda denunciou o fato à secretaria de obras da Prefeitura, que anunciou embargo da obra, mesmo com parte da cozinha já demolida. Multa certa...
Dona Zefinha não contava com o inesperado desembolso. Quase sempre, o barato sai caro. Aí, pagou o trabalho do pedreiro dando por conta a sua amada cadelinha:
"Pode levá-la por conta do seu serviço imundo; ela já está intoxicada mesmo, com aquelas lombrigas que comeu !"...
O conformado pedreiro voltou para seu barraco, sem dinheiro mas com a cadelinha debaixo do braço. Em homenagem à sua zangada e insuportável patroinha, deu-lhe um novo nome:
"D o n a Z e f i n h a ".
Vivíamos o último quadrante do século passado. Ainda se viam no Rio de Janeiro, mais precisamente em Copacabana e no Leblon, os espasmos da alta sociedade (paparicava-se Ibrahim Sued, a fim de aparecer - ademã - nas colunas jornalísticas do "high society"). Toda gente fina se julgava "um ser superior", em especial se residisse na cobertura de um prédio (quase sempre de luxo). É que qualificava seus convizinhos (demais condôminos) como "seres inferiores", i.e., todos os que morassem nos andares mais abaixo do seu pertenciam a outra classe.
Era nesse pedestal que se sentia dona Zefinha, viúva de um juiz, se não me engano, um certo doutor Moura.
Dona Zefinha economizava o que podia; pobre viúva, não se sustentava com uma pensão de quase mil reais por dia. Economizava até mesmo alimentos indispensáveis à sobrevivência, que era pra ter condições de exibir alta granfinagem no seu meio social: o melhor vestido era o seu; as mais raras joias, sapatos do último modelo eram seus... O carro, nem se fala ! . . .
Certa vez ela precisou consertar a cozinha. Contratar uma empresa especializada, nem pensar ! . . . Chamou o primeiro pedreiro (operário desempregado) indicado pelo porteiro. Ela mesma faria as vezes de arquiteta. Acertaram o preço, após barganha - tudo verbalmente -, com a condição de ela não fornecer o almoço. Parágrafo único: ele se obrigaria a trazer sua marmita de casa. Ambos concordes.
No dia seguinte o operário começou o trabalho de demolição, logo às 08h00.
Parou, mais tarde, por duas horas: intervalo para o almoço, até por exigência das normas condominiais. Ela o repreendeu por conta da poeira que inundou todo o apartamento. "Nas duas horas de intervalo para o almoço (período de silêncio exigido pelas normas condominiais) você vai limpar toda a sujeira espalhada pelo chão e sobre os meus móveis", ordenou dona Zefinha.
- "Agora, não, minha senhora! Prefiro obedecer ao nosso contrato verbal. Hora do almoço, pra mim, é coisa sagrada. Além do mais, preciso me guiar pelas regras do condomínio" - e foi desensacolando sua marmita cheia de macarrão, mais nada. Sentou-se num batente e começou a almoçar, fio por fio puxado com as mãos...
- "Mas que nojeira !... Quando acabar isso aí, lave essas mãos e vá logo limpando aquele chão !" - Impôs autoritariamente.
O cheiro do macarrão atraíu a cadelinha de dona Zefinha. O pedreiro, comovido com o seu fungado, pôs alguns filetes de sua "macarronada" na boca do animalzinho esfomeado.
Ufa ! . . . Dona Zefinha se desesperou quando viu a comida de "seres inferiores", fios de macarrão dependurados na boca, feito lombrigas, e sendo engolidos por sua mimada cadela.
- "Maldição !"... - Berrou, estrepitosamente. . . Seus rugidos chamaram a atenção da vizinhança, que, assustada, acionou o síndico.
Nesse ínterim, dona Zefinha liga para o veterinário e se encoleriza mais ainda com o que ouviu. Provavelmente um "isso não é nada" ou mesmo o novo preço da consulta...
Chega o sindico e pede para entrar, claro, autorizado pelas normas. Encontra o pedreiro trabalhando (embora na limpeza) em horário não permitido. Aplica multa correspondente a uma taxa de condominio, conforme regulamento. Outra multa mais elevada por se estar procedendo a uma reforma sem a imprescindível avaliação e permissão condominial. Ainda denunciou o fato à secretaria de obras da Prefeitura, que anunciou embargo da obra, mesmo com parte da cozinha já demolida. Multa certa...
Dona Zefinha não contava com o inesperado desembolso. Quase sempre, o barato sai caro. Aí, pagou o trabalho do pedreiro dando por conta a sua amada cadelinha:
"Pode levá-la por conta do seu serviço imundo; ela já está intoxicada mesmo, com aquelas lombrigas que comeu !"...
O conformado pedreiro voltou para seu barraco, sem dinheiro mas com a cadelinha debaixo do braço. Em homenagem à sua zangada e insuportável patroinha, deu-lhe um novo nome:
"D o n a Z e f i n h a ".