Carta ao Zé da Ingazeira XIV
 

Zé, óia eu aqui di novu iscreveno procê.
Du jeito qui as coisas vão, eu vô acabá ficano por aqui mermo i num vô consegui cumpri u prometido de ir passeá na roça.
Us preço da passagi por aqui tá tudu muito caru i eu tô meio apertado pur essis dias.
Vô tê qui incrusive fazê um tratamento dentário qui pelo qui o dotô falô, vai custá o preço das bola.
Tava pensano em ir pra roça i isperá u tempu das chuva, só prá ver as nuvens cubrino o monti Orora lá longi.
Sintu uma sodadi danada daqueles pingão grosso batendo nos teiados do casarão e daquele bolo de fubá de milho de Vó Ninha.
Também num isqueço du chero di café forti passadu nu cuador di panu feitim na hora. Vó Ninha separô uma caneca só pra mim. É uma azul qui ela guarda cum muito carinhu.
Tarvez eu inté consiga juntá uns trocadu e vá até aí. Bateu um apertu nu coração qui num sei u que qui é. Mais u meu pobrema mermo Zé, é qui eu tô numas conversa cum uma moça pur aqui que tem uns cambito lisinho e bunito dimais, sem um pelinho siqué.
Zé, essa muié tá mi trocanu as pernas.
Quandu ela fala meu nomi, chega a istremecê tudo. Tenhu inté dificuldade di respirá. Dá uma gastura qui sobe pelo peito, i as mão num pára de suá.
Fico qui nem bobo oiando as istrela e comparanu com as duas pedra di citrino qui ela carrega nu olhá.
Ela tem uns par di zóio qui ocê nem queira vê. E eu também num mi incomodu cum um jeito esquisito dela falá.
Num inicio eu achava sempre que tava vindo um trem de algum lugá. Eu ficava quieto esperano o danado passá e num vinha nada. Dispois foi qui eu entindi que tudo aqui elis fala qui é trem. Num mi incomodu mais não ... custumei.
Vô pidi pra ela um retratu, i meiu iscundido, mandá procê nessa cartinha. Mas num mostra pra ninguém e nem vai fica azarano não qui eu num vô gostá.
Eu vô terminando pur aqui qui tenhu qui i nu dotô qui tráta dus denti. U cabra tem um motozinho danado de ruim. Vô pidi emprestado e levá pra roça pra modi tratá dus denti de Zé da Gamela. Vamo vê si assim ele me paga us trem qui mi deve.

Inté eu tô falano qui nem a ela!
Germano Ribeiro
Enviado por Germano Ribeiro em 03/05/2018
Reeditado em 03/05/2018
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