JUCA E CHICO
Os dois andavam sempre juntos, eram unha e carne, como se costuma dizer. No futebol, nos namoros, nas safadezas. Freqüentavam o antigo ginásio e não se podia dizer que eram bons estudantes.
Um dia, por uma besteira, os dois se desentenderam. Passaram a evitar-se e como eram ambos líderes cada qual ficou com sua gang. Numa manhã, fui chamado pelo Juca:
- Vem cá, tenho um favor pra te pedir! Você conhece bem um certo cafajeste denominado Chico, não é? Pois olha, você que é meio poeta, queria que me escrevesse uma historinha ridicularizando aquele sujeito. Invente alguma coisa, quero colocar no mural do pátio.
- Mas Juca - ponderei – também sou amigo do Chico. Como é que vou fazer uma coisa dessas? E se ele descobre que fui eu?
Ele me prometeu uma “cartilha” do Carlos Zéfiro, antecessora das revistas pornô. E no outro dia, antes do início das aulas, o mural já estava rodeado de curiosos que liam com interesse a pequena narrativa “Aventuras do Chico Bosta”.
Foi uma paulada no ego do pobre Chico. Na hora do recreio, veio me procurar. Fiquei pálido, as mãos tremendo. Será que havia descoberto a minha participação na história? Não, ele estava amigável.
- Vem cá, amigão, preciso da tua ajuda. Você leu a aberração que o safado escreveu a meu respeito, não é? Que coisa mal escrita! Só podia mesmo ser obra do Juca. Quero que você faça uma história nos mesmos moldes, avacalhando com ele.
- Não me peça isso – respondi. Você sabe como estimo os dois, não me meta nessa briga.
- Ninguém vai saber que você me deu uma mãozinha, eu me responsabilizo. Olha, se você colaborar, ninguém mais aqui vai lhe encostar um dedo (não era proposta de se jogar fora, o Chico era com certeza o garoto mais forte e temido da escola).
Com tal argumento, no dia seguinte estava no mural outro texto, “Juca, o garnizé que virou galinha”. A insinuação do texto era inventada, lógico, mas era algo que mexia com os brios do Juca. Eu conhecia bem o ponto fraco de ambos.
Esperava que, com isso, o assunto morresse. Mas não, o Juca resolveu revidar. E lá veio outro texto: “Macaco Chico, o medroso da floresta”, logo respondido por intermédio da história “Juca, o famoso manequim das madames”. Essa revirava a ferida do Juca. Sua mãe era costureira e às vezes, dizem, não tendo um manequim onde colocar os vestidos para os retoques, lançava mão do filho, que ficava uma gracinha de sedas e tafetás.
Eu já estava gostando da brincadeira. Aproveitava para lançar meus venenos contra os dois contendores, afinal eu também era humano. Eles que se entendessem.
Aí notei que alguns colegas estavam desconfiados. No entusiasmo, havia deixado alguns “furos” nos textos, coisas que me comprometiam. E agora? Se os dois descobrissem minha patifaria? Só encontrei uma solução para me safar. No texto seguinte, o Chico começou, por minha conta, a atenuar as gozações, quase pedindo desculpas pela brincadeira. Na resposta, o Juca fazia elogios ao ex-amigo e lamentava a amizade perdida.
O negócio funcionou. Um dia os dois se encontraram, todos saíram de perto achando que iriam sair faíscas, mas não, deram-se um longo abraço e só não derramaram lágrimas porque ficava feio na frente da turma.