OS MONGES DO RIBEIRO & MAIS
OS MONGES DO RIBEIRO E MAIS
Cinco Tríades de William Lagos -- 12-16/11/2017
OS MONGES DO RIBEIRO -- 12/11/2017
A CALÚNIA --- 13/11/2017
A HONRA -- 14/11/2017
A VOZ DO POVO -- 15/11/2017
ANTES SONHAVA... -- 16/11/2017
OS MONGES DO RIBEIRO I -- 12 NOV 17
"A água dá, a água leva" -- já foi dito
Não se deve esperar caiam ao colo
bens que alguém mais plantou no próprio solo,
mas a plantar teu próprio pão te incito.
De nada adianta aos céus lançar um grito,
que o maná só caiu como um consolo
na península do Sinai, conforme o rolo
do Pentateuco (de Moisés vetusto escrito).
Ainda hoje é possível recolher
essas sementes pequenas por ali,
mas não em tal quantidade adocicada
como no Êxodo facilmente podes ler,
mas que, por certo, no Brasil não vi,
só no Sinai a chover tal revoada...
OS MONGES DO RIBEIRO II
Existe a lenda de um velho anacoreta
que encontrava em sua macieira, diariamente,
uma só fruta madura o suficiente
para a vida conservar-lhe ao bem sujeita.
Esse eremita não planta -- e ainda projeta
num ribeiro as cascas, inconsciente,
agradecendo contudo a Deus clemente
pelo alimento que lhe nutre a vida quieta.
Mas começou dessas maçãs a enjoar-se,
pedindo a Deus que lhe desse outro maná;
saindo um dia a passear, sem apressar-se,
até encontrar ajoelhado outro ermitão,
que lhe explicou: "Todo dias cascas há,
que Deus envia para a minha refeição."
OS MONGES DO RIBEIRO III
Não sei, de fato, qual lição comporta
esta lenda piedosa. As cascas a comer
como único alimento a receber
o segundo anacoreta... Mas por que corta
essas cascas o primeiro e não se importa
de diminuir a nutrição que pode ter?
Depois, quem sabe, iriam os dois reconhecer
que deveriam plantar pequena horta?
É bem mais fácil a água nos levar
o bem que se juntou por longo tempo
que nos trazer de maçãs um engradado!
E ao invés de acender velas, vai plantar
tuas batatas, meu amigo, em contratempo
e não deixar um pobre santo incomodado!
A CALÚNIA I --- 13/11/2017
"Calúnia é igual carvão", mas sem função
que te ajude a aquecer o alimento,
nem seu carbono escreve um testamento:
"quando não queima, vai te sujar a mão.
Porém calúnias formam vasta poluição,
rápido voam nas asas do vento,
no pavilhão da orelha seu assento,
para do ouvido iniciar penetração.
Especialmente quando provêm da inveja
que medra um pouco em cada um de nós
e facilmente se escuta-se a feia voz,
principalmente quando a alguém bafeja
talento ou fama ou singular riqueza,
sua lama a enegrecer qualquer beleza...
A CALÚNIA II
Tornou-se moda, muito mais em nossos dias
falar mal de alguns que são heróis,
com merecido fulgor os seus faróis
ou superestima por quaisquer razões vazias;
há motivos gramscianos nessas vias, (*)
se os escutares, tua própria história róis,
caso mordas a isca dos anzóis
e desses falsos aceitar demagogias,
(*) Referência a Antonio Gramsci, teórico comunista italiano.
só destinadas à cata do poder,
ao pobre povo buscando convencer
que a solução vem de seu oportunismo,
Melhor que luta armada, é mais sutil,
por mais que traga em si motivo vil,
quando um partido quer impor o seu modismo.
A CALÚNIA III
Quem já escutou "O Barbeiro de Sevilha"
conhece a ária que Don Basílio canta,
a descrever como a calúnia o povo encanta,
quando a Don Bártolo aconselha a falsa trilha;
toda a calúnia da perversidade filha,
mas que voa pelo ar e a mente imanta
no magnetismo que sai de sua garganta,
cresce a calúnia sem parar milha após milha,
como o milho plantado faz-se espiga;
mas não se comem esses grãos de inveja:
"a brisa mansa se transforma em explosão".
Não que o teor de tal ária o povo siga,
mas faz brigar os casais quando se enseja,
"tão violenta como um tiro de canhão!"
A HONRA I -- 14/11/2017
"A honra é como o vidro, o qual quebrado
não solda mais", com a melhor das colas;
restauradores recompõem do fundo às golas
cratera e ânfora antigas do passado.
Mas as emendas ali estão no restaurado,
maior cuidado que se tenha ao pô-las;
muito mais fácil escutar críticas tolas
de um visitante que ali passe apressado,
por mais que a obra veneração mereça,
mais essa técnica que lhe renova os anos,
percebe então a maioria só os danos;
e quantos há que o desrespeito cresça
não sua vetusta aura de valor,
recuperada tendo sido com lavor,
A HONRA II
A honra é mais que o pano da vidraça;
depois de ser rachado, do caixilho
é retirado; e trocado como o atilho,
enferrujado pelo tempo que se passa;
um novo vidro fácil compra-se na praça,
que deixe a luz passar em pleno brilho;
parte do velho por diamante ao trilho,
sirva talvez a novo uso que se faça.
Contudo a honra não se pode reparar,
nem fragmento que dela se recorte
para um menor espaço que a comporte;
depois da honra de alguém se estilhaçar,
juntam-se os cacos que tenham maior porte,
qual de um espelho que se quer guardar.
A HONRA III
Mas fragmentos novamente rejuntados
as imagens só refletem aos pedaços,
nenhuma delas a mostrar todos os traços,
rostos refletem tristes ou zangados,
uns aos outros tão só mal encaixados,
ao desonrado quem ama dando abraços,
sempre tristeza nos seus olhos baços,
lustro ou prestígio jamais recuperados.
Muito difícil se encontrar um general,
que de covarde certa vez foi acusado,
que seu comando venha a recuperar
e nas batalhas seguintes triunfar,
a honra recobrada de que foi privado
e ver sua fama novamente rebrilhar...
A VOZ DO POVO I -- 15/11/2017
"A voz do povo é a voz de Deus" -- que coisa tola!
Quando o povo qualquer modismo seguiria,
qualquer mentira a propalar demagogia,
sem às vozes da razão sequer dar bola!
Como um "trenzinho da alegria" é a cola:
com as mãos nos ombros de outrem seguiria,
na sua cintura alguém mais seguraria,
os pés movendo em centopéia mola!...
Fica difícil só se olhar de lado,
sem pela gente conseguir ser respeitado;
quem contraria, a fama tem de louco
e ainda afirmam que a voz da maioria
representa, em seu total, democracia,
do discordante abafando o grito rouco!
A VOZ DO POVO II
Serão os membros do rebanho facilmente
iludidos, que é mais fácil se aceitar
que contra o erro ou o mal se rebelar...
Como é difícil contrariar cada parente
ou cada conhecido nesta enchente
de em um certo político votar,
sem o dano que provoque calcular:
marcha o primeiro e após ele, toda a gente,
tal como a ovelha se dispõe a pisotear
exatamente no ponto já escolhido
pelo primeiro, quer santo, quer bandido,
até que alguém consiga algo mudar,
passando todos a pisar nesse lugar,
o ponto antigo sendo mesmo proibido...
A VOZ DO POVO III
El Hombre Mediocre -- há muitos anos escreveu
José Ingenieros, sendo uma de suas marcas
suas próprias opiniões bastante parcas,
só a orientar-se pelo que outrem escreveu,
os ditados a repetir, igual sandeu,
sabedoria buscando nessas barcas,
a voz de Deus navegando nessas arcas,
sem pensamento sequer que seja seu!...
Justificando ao afirmar que vê fumaça,
portanto nessa frase há de ter fogo,
muito mais fácil se fingir ingenuidade
que um raciocínio que pela mente passa,
tão somente a seguir regras do jogo
que demonstrar em seus atos liberdade...
ANTES SONHAVA... I -- 16/11/2017
"Antes sonhava, hoje não durmo" -- a ironia
pretende aqui demonstrar uma lição:
que todo o sonho não passa de ilusão,
vindo o futuro, nos prejudicaria...
Quem se deixou transportar por fantasia
não se pode garantir sustentação;
não trabalhou para a própria proteção,
mas limitou-se a imaginar quanto queria.
Já transcorrido o tempo desse sonho,
nada chegou de concreto a construir
e já não dorme, só por preocupação,
castigo certo de seu agir bisonho,
tranquilidade no futuro a lhe fugir,
perdida a chance que tivera em ocasião.
ANTES SONHAVA... II
Mas quem pode viver sem o sonhar?
Se assim não fôra, por que o nosso sono
é entremeado por sonhos em abono,
a mente solta e posta a descansar...
É o devaneio que se está a condenar?
Mas quanta vez da modorra no abandono
brilhante ideia não nos mostrou o trono
de um futuro brilhante a se alcançar?
Talvez mencionem sonhar-se acordado
ao invés de ativamente trabalhar,
tudo encarando em sua forma material.
Mas um labor interrompido e reiniciado
após o inconsciente posto a funcionar
nos leva ao alvo de maneira natural.
ANTES SONHAVA... III
Os nossos sonhos são gentis amigos,
muito embora não nos devam controlar,
mas encarados em seu desenrolar,
advertência a nos dar para os perigos.
Jamais são sonhos nossos inimigos,
mas sem qualquer totalmente desprezar,
tampouco devem nos desapontar:
por certo tempo nos deram seus abrigos...
A maior parte dos meus não realizei,
mas continuo o sonho a acalentar:
mortos não sonham em suas sepulturas.
O destino que tomaram eu não sei,
mas esgotou-se seu período de sonhar,
pois só a vida nos traz juras e perjuras...
William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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