O PROCESSO
Arnaldo acordou cedo com o toque da campainha. Era domingo. Tinha ido dormir tarde. Como de costume, passava quase a noite toda na internet. Abriu a porta bocejando. Em sua frente um homem se identificou como Oficial de Justiça.
- Senhor Arnaldo?
- Sim, sou eu.
- O Senhor está preso.
- Como assim preso?
- Sim... Está preso.
- Por qual motivo? Eu não fiz nada.
- Fez sim. O Senhor engravidou Mineirinha Gostosa.
- Ah? Engravidei quem?
- Ora... Senhor Arnaldo, não se finja de bobo, não vai nos enganar! Já temos todos as provas contra o Senhor.
- Deve haver um engano, eu sou casado, funcionário público e pai de dois filhos.
- Sim, sabemos tudo sobre o Senhor.
- Estou apenas cumprindo ordens da Justiça, o Senhor foi condenado por não pagar a pensão alimentícia para o seu filho: Tício feito às pressas.
- Eu fui condenado? Mas como se não fui citado e não participei de processo algum?
- Foi sim, veja:
Nesse momento, retirou um jornal para comprovar a citação.
- Não entendi. Aqui diz que PGG deve comparecer para fazer exame de paternidade. Meu nome é Arnaldo, não sou PGG.
- O senhor tem certeza que quer entrar nesses pormenores?
- Temos todos os diálogos entre o Senhor e Mineirinha Gostosa, com descrição completa do seu nome e o porquê dele.
- O senhor não está entendendo, foi tudo uma brincadeira na internet, nada era real.
- O Senhor está me dizendo que ter um filho é uma brincadeira, que não é real?
- Isso pode aumentar sua pena.
- Pena? Como fui condenado se nem conheço essa mulher.
- Claro que conhece, fez sexo com ela 365 vezes no período de um ano.
- Como assim? Eu nunca toquei nela, foi tudo virtual.
- As provas são claras e estão nos autos comprovando todas as vezes que fizeram sexo. Sexo é sexo! Diga-me: sua esposa pode fazer sexo pela internet, Senhor Arnaldo?
-Claro que não! Só pode fazer sexo comigo.
- Diante das provas e do seu não comparecimento para fazer o exame de DNA e tendo em vista que entre os cinco prováveis pais, o Senhor é o mais compatível, o Juiz condenou-o a pagar quatro milhões de pensão a Mineirinha e seu filho Tício.
- Quatro milhões? Tá louco? Eu sou Funcionário Publico, ganho pouco, vivo no vermelho.
- Não foi isso que o senhor disse a ela. Falou que era banqueiro e que vivia em Cruzeiros pelo país.
- Posso vê uma foto do menino?
- Sim, essa é a mãe e esse é o garoto.
- Caramba! Ela é muito diferente do que dizia ser. E esse menino é japonês. Veja! Eu sou negro, não posso ser o pai.
- Não precisa puxar ao pai, já ouviu falar em paternidade sócio -afetiva? Só o pai verdadeiro faz sexo com uma mulher grávida. O Senhor fez sexo com ela 150 vezes durante a gravidez, um recorde entre os casais, pois fazem somente uma vez por mês, não passando de sete vezes ao ano.
- O Senhor não está estendendo, não posso ter engravidado uma mulher pela internet. Nunca houve aquilo naquilo!
- Engravidou sim, todas as provas atestam isso, temos: diálogos, imagens da web cam e a própria criança. Não zombe da Justiça Senhor Arnaldo.
Nesse momento, a esposa e os filhos acordaram, os vizinhos se aglomeravam buscando o melhor lugar para não perder nada. Era um furdunço danado!
Dona Genoveva já virava o beiço: - Quem diria, hein! Arnaldo posava de santo e estava traindo a Matilde, engravidou outra mulher, o filho já tem dois anos.
- Todo dia estava na igreja, participava do futebol, fazia tanta caridade aqui no bairro, um duas caras. Completou Vitória.
- Dizem que tinha muito dinheiro escondido, nos states, que era podre de rico, mas gastou tudo com a amante e depois abandonou o filho. Disse Dona Violeta.
- Merece é cadeia. Retrucou Madalena.
- Que mau exemplo! Uma lástima! Até que gostava dele, como pude me enganar tanto. Concluiu Margarida.
Enquanto isso, Arnaldo tentava contemporizar com a esposa, buscando mostrar o absurdo da situação.
Por outro lado, ela não podia acreditar em tudo que estava acontecendo, questionava-se como não pôde vê o que acontecia debaixo do seu nariz, sentia-se um lixo. Como ele pôde engravidar outra mulher, traindo ela e os filhos!
Olhou a foto mais uma vez, e achou o garoto parecido com Arnaldo, sentiu muita raiva, pois o garoto era um japonês lindo. E o dinheiro? Vivia aperreado pedindo para economizar, sem dinheiro pra nada e gastando tudo com outra. Deve ter viajado o mundo todo com ela, por isso o dinheiro acabou.
Arnaldo ainda tentou argumentar mais uma vez:
- Senhor Oficial, o senhor não está entendendo, eu sou Funcionário Público, não sou rico. Quem é Servidor só fica rico recebendo herança ou roubando, eu não fiz nada disso.
Contudo, não teve jeito, debaixo de forte clamor popular Arnaldo foi preso. A maioria queria que ele fosse até fuzilado. O Oficial algemou Arnaldo e o conduziu para a prisão para reparar o mal que fez à sociedade.
Dois anos depois, Arnaldo foi solto num estranho indulto, que nem ele entendeu. Embora não tenha ligado, pois nunca entendeu nem porque foi preso.
Quis voltar para casa, mas não era mais sua, pois a esposa alegou usucapião por abandono de lar e ficou sozinha com o imóvel. Dizem que se casou com um Oficial de Justiça muito rico.
Arnaldo voltou para o trabalho, onde tudo continuava igual, parecia que nunca tinha saído dali. Todos achavam que ele estava de férias nas Bahamas, nem souberam de sua prisão, quando contava o que tinha ocorrido só via o sorriso das pessoas, achando que ele estava louco. Depois de um tempo nem ele mesmo ligava mais para aquilo, pois todos têm memória curta para o bem e para o mal.
Nota da autora: inspirado em Kafka . É pura ficção.