INVASORES DE CORPOS (mas tinha que ser logo o meu?)

INVASORES DE CORPOS (mas tinha que ser logo o meu?)

(Autor: Antonio Brás Constante)

O inverno é uma época em que aspiramos muitas coisas (boa parte delas pelo nariz). Entre elas podemos citar: o delicioso aroma de um chocolate quente, ou o cheirinho gostoso proveniente das diversas iguarias preparadas especialmente para nos esquentar do frio dessa temporada. Aspiramos a brisa gelada da estação, que nos faz lembrar das paisagens européias, recobertas de neve por todos os lados. E infelizmente, aspiramos sem perceber, o vírus da gripe.

Esse tal de vírus da gripe é realmente um dos piores estraga-prazeres do inverno. Parece um daqueles penetras que aparecem nas festas, chegando sem ser convidado, aprontando de tudo, e na maioria das vezes, somente indo embora quando é de alguma forma expulso dali.

Ele surge de mansinho, causando sensações similares aquelas experimentadas pelos amantes. Porém, faz isso da pior maneira possível. No início, sentimos uns arrepios na pele. Percebemos o calor inundando o corpo, e tudo vai se intensificando. O suor passa a brotar em cada um de nossos poros. Vamos sendo dominados por uma espécie de torpor. Os sentidos ficam confusos e quando percebemos, o vírus já nos levou para cama, passando a usar e abusar indecentemente de nossa frágil carcaça inocente. Divertindo-se às nossas custas sem qualquer pudor ou piedade. E nós ali, indefesos diante daquele psicopata invisível e sádico.

Um ser humano gripado torna-se uma pobre alma que sofre as agruras do purgatório, sem nem mesmo ter morrido ou pecado. Não pode sequer pegar um cineminha, gastando uns trocados por lá (claro que para obter uma quantidade suficiente de trocados para pagar as pipocas, o refrigerante, o estacionamento, a entrada do cinema, etc, a pessoa primeiro teria que vender um de seus rins). Se alguém gripado, ousar fazer tal programa, logo é taxado de chato, pois conforme um dos ditos populares: “Chato quando está com tosse não vai à farmácia, vai ao cinema”. E a tosse é apenas um dos tantos martírios da gripe.

Mesmo a leitura de um bom livro seria inviável, já que as gotas de saliva, associadas a outras substâncias orgânicas (que saem voando a todo instante da boca de alguém que tosse), não combinam com o papel das páginas de qualquer obra literária.

O jeito seria recorrer a indústria farmacêutica, que dispõe de tratamentos para quase todos os tipos de tormentos. Entrar em uma farmácia é semelhante a entrar em uma loja de doces. Lá encontramos atendentes simpáticos que oferecem várias amostras de comprimidos coloridinhos, como quem oferece balas para crianças. Pior do que o gosto dos remédios, somente os seus nomes, que mais parecem palavrões extraídos das profundezas obscenas da própria moralidade.

Se você achava que sua esposa lhe fazia gastar muito, ou que seus filhos, seu automóvel, ou até mesmo seu fiel cachorro (muitas vezes apelidado de “Lulu”), faziam com que você gastasse muito, finalmente descobrirá que um bom (ou mal) resfriado consegue provocar mais gastos do que todos eles juntos.

Enfim, após alguns dias de sofrimento a gripe geralmente termina, levando com ela os últimos centavos de seu salário, entregues ao setor farmacêutico, que em troca devolve sua saúde. Porém, com prazo de validade inferior ao de qualquer medicamento.

E-mail: abrasc@terra.com.br

(Site: www.recantodasletras.com.br/autores/abrasc)

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Antonio Brás Constante
Enviado por Antonio Brás Constante em 18/08/2007
Código do texto: T612619