A farsa do moço e do judeu

Introdução

Conta-se a história de um moço, que é contratado por um judeu, chegado recentemente ao burgo, para servir de emissário da sua banca de prestamista.

O moço que ambicionava enriquecer viu naquele trabalho uma forma de conquistar a dama amada e aceitou o cargo.

Só que o judeu fugiu, e ele perdeu tudo e até foi mal tratado pelo povo enganado.

Não se sabe porque o judeu fugiu, na altura havia perseguição, fama de usurários, inveja da sua inteligência. Aqui não comento a razão para salvaguardar o respeito por um povo.

A intenção deste texto é apenas para ironizar uma época.

São personagens inventadas astuciosas e de espírito livre que cativam pelo humor. Representam também uma época de transição da idade média para a moderna marcada pelo espírito do renascimento ligado ao humanismo. Que iria diluir a barbárie a obscuridade.

A farsa do moço e do judeu

Certo judeu que o digais

se certo não estou de o dizer.

De suas manhas reconhecer.

Porque se delas fui vitimado.

Meus alforges esvaziados.

E depois escarnecido

Apupado maltratado,

pelo povo irado.

E até endoidado.

Porque de mim era o crime

Pelo que tinha acontecido.

Por mor de ter pensado

que dali ia opulentar.

E melhorar meu viver.

E pretendente me tornar

de certa dama escolhida

no arraial da terra.

Que para a ter carecia

de grande investidura.

Era dama de bom trajar.

Bem enfeitada de tudo

E de casa apalaçada

estava familiarizada.

Vai dai me pus a trilhar

por caminhos ignorados

Fazendo alarido

Para isso fui nomeado

Pelo descarado judeu

Para dele fazer saber

pois houvera celebrado trato.

Registado e assinado.

Iria proclamar pelo burgo

que negócios ele fazia.

Com muita honradez.

Era só marcarem vez.

Acento tinha no rossio.

E quem dele buscasse

Satisfeito ficaria.

E tal era a lisura

de seus ajustes

que em livros ficavam

Muito bem alistados.

E num cofre reservados

Todos os negócios fechados.

Aquilo era honraria.

De comércio praticado.

O povo era bafejado.

Porque por bens ajustados.

Era lucro asseverado.

E até a tresdobrar.

O povo andava aprazado.

E eu todo inchado.

Ia-me pavoneando.

À porta da minha amada.

Por tal sorte assomada

muitas vezes ao varandim.

Fileiras se ajuntavam

A beira do rossio.

Iam para ali de manhã

para ganharem a vez

Ali punham as garantias

da sua laboração.

Num instante ficariam ricos.

Esfregavam as mãos de contento

Essa era a conjuntura.

E eu a beneficiar

pois contrato houvera feito.

Estava no meu direito

de lucros arrecadar.

O bom judeu achava eu.

Ser ele homem de palavra.

Já fantasiava com a minha dama.

A quem pedir a mão o faria.

Com grande aprazimento

quando chegasse o momento

A beneficiaria de jóias

e de outros provimentos

Como era o dever

De um doce e amado esposo.

Que em breve o seria.

Eu sorria de júbilo.

Desejava aquele momento.

Já me via a noivar

E as gentes a observarem

Invejosos e moídos

da minha grande riqueza

Vestido a preceito

Com cavalos adornados

Dos mais ricos ornamentos

Mas um dia chego à praça.

E que vejo? Grande arruaça…

Do judeu nem banca havia.

Teria adormecido?

E a porta não abria?

O povo estava levantado

Mas o que ocorria?

Do judeu ninguém sabia.

Logo me lobrigaram

e para mim se ajuntaram.

Percebi logo então

Porque era a balbúrdia.

O malvado tinha fugido.

Com ele se foram os benefícios

daquela gente burlada.

E ficaram sem os vinténs.

Mal tive tempo de correr

e dali me desembaraçar.

Meu amor e meu contentamento

tinha-o levado o vento.

E agora era sair

daquela rebelião.

Derreado fiquei

Pois tanta pancada carreguei

que passados dias que foram

dessa triste insurreição

Dorido ainda estou.

E afugentado do burgo.

Que por mor do astuto judeu.

Culpas tenho no cadastro.

Lá se foi minha afeição.

Pela dama da minha ilusão.

E do doce e amado esposo.

Que sê-lo almejei.

Resta-me apenas

Um choro piedoso

E de mim penar.

Fugir de tanta chacota.

Zarpar em alguma nau.

Que na ribeira se apreste.

Para se ir

a terras de além mar.

De T, ta

Agosto de 07

Tetita ou Té
Enviado por Tetita ou Té em 17/08/2007
Código do texto: T611861
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