confidências entre amo e servo

Farsa de lamentos de amor

Ao jeito de Gil Vicente

Esta farsa é montada sobre a vida de um homem que andou embarcado e que serve agora a um fidalgo.

Ele vive suspirando raiva e amor por uma mulher que o atraiçoa.

O diálogo decorre entre ele e seu amo que se ri e brinca das suas atribulações, mas que por fim se tornam confidentes de bravatas.

Tudo isto é pura imaginação minha, apoiada num estilo que aprecio .

amo:

Deixastes as caravelas

As grandes frotas do mar

Navegaste com mil sóis

Experimentastes as vagas

Nascidas em alto mar.

Terras muitas visitaste

E surpreendido admiraste

Vida de prazer e folgaria

Tu levaste

Pelejaste e roubaste

E de cativos fizeste

mil corações por onde andaste

De façanhas te enobreceste

Nunca te vi perdido

Antes eras folgazão

Arriscado destemido

E agora consumido

Como àrvore seca a morrer

Ai eu aqui

Não quero crer

Que te abateis

Por um amor

Que de ti caçoa

Há como o demo te toma

E já te considera seu

Está moendo teu tino

Deixa-te disso homem

Mulheres? Olhai em roda

Vede quantas por ai há…

servo:

Pois meu amo tendes razão

Mas que mais me apraz fazer

Senão pensar na danada

Encanto me tomei dela

Já não posso fazer nada

Dizei-me como a esquecer?

Pesariam minhas mãos

se danos causasse nela.

Não me tomo de ameaças.

Nem sou homem de arruaças

senão as que a mim vêm ter.

De cativeiro me salvei.

Encantamentos jamais.

se apoderaram de mim

Por prisão basta a que tenho

colada ao meu coração

Mas tenho que ressalvar.

Que de amor pelo mar

e pelas terras distantes

Isso não posso olvidar…

amo:

Há bom homem te entendo.

Lamento minhas zombarias.

A alma te queria alevantar

Cuidei ser uma tristura,

lembrando o muito prazer

de breve aventura,

que houvesse ficado por lá.

Mas vejo que me enganei

Agora para teu consolo

Façanha te vou contar

Achega-te ao pé de mim

Não vá alguém escutar.

Nem só tu sofres de amor.

Eu te estou a afirmar.

Em tempos se ajuntou

danada à minha beira.

Aquilo foi a braseira

que fogo me pegou.

Era bela e brejeira

Ancas largas

Belos atavios

Olhos doces como o mel.

Graciosa atrevida.

Atiçava minhas entranhas

Meu gibão não soltava.

Na minha capa se enrodilhava

E de mim não se arredava.

Fiquei-me à mercê dela.

O pior foi o pavio

que incendiou o meu lar!

Tua ama descobriu.

As calandreiras do paço

armaram-me logo o laço.

Tal foi meu desarranjo

que quedei tristonho.

E de bonançoso

logo me aquietei.

Me apartei do demo

que me estava a atentar.

Mas ficou cá uma aguilhoada

por tão bela dama.

Que por ela me deleitei.

E por desprazer meu

dela me arredei.

servo:

Ah! Ah! Ah! Perdoai meu amo.....

Vós então?

Que tomáveis este meu desprazimento

p!or tal zombaria.

Agora confessais

Que de encanto vos tomais

por uma dama.

Que não é a minha ama e senhora?

Esposa vossa?

Filha de nosso rei e senhor?

Que uma fada vos tome de guarda.

E que consulteis uma gitana.

Pois de agoiro não vos libertais.

E é melhor que vos prepareis

O pai de minha ama,

está-se a acercar

das muralhas do castelo..

Vós não ouvides?

Alarido se escuta.

Suas trombetas pela porta do cerco

já se ouvem.

e relincham as montadas.

Os cascos batem com força

Frente a parada formada.

E te consumirá as entranhas

Se ele vier a enxergar

vosso recente delírio.

Se novas dele tiver.

Se do entristecer da infanta,

algo lhe vier a dizer?

Ele vos vai escarnecer.

Por mor de sua filha advogar.

Cuidai, cuidai meu amo,

Em nome de Nosso Senhor.

Porque se vos não matar o fogo

c.om que andais

Mata-vos el rei.

amo:

Cala-te demo insolente

Que me estás a assombrar.

Isto ficou em segredo.

Repeso estou de te dizer.

E se o vier a saber

nosso rei ficará reservado.

Porque dele sei ainda coisas

que do reino é desconhecido.

Coisas de intimidades ilegítimas

daqui do reino vizinho.

Com nobres damas da corte,

e outras que dele se tomaram

de grande encantamento.

E que se o povo tomar

delas conhecimento.

De tais escapadelas.....

Que o não vão enobrecer.

Haverá descontentamento.

servo:

Ah! ah! ah! como estais medroso.....

Pois até ameaçais a vosso sogro e rei.

com intriguinhas de alcova

Cuidai, cuidai.....

Que aleivosia a seu senhor

e esposa atraiçoada.

É pior que peste negra.

E então filha de rei!

Eu cá não digo mais nada.

Me vou desta à minha vida.

Com sua licença senhor

não me digais mais nada.

amo:

Cala-te demo tinhoso

que te vou a silenciar.

Amarro-te a um cepo

e te atiro pró mar.

Ou te corto essa lingua

para não me difamares.

Conclusão da cena:

E servo e amo ali se separaram embuçados

E nem para trás olharam.

.

De T, ta

Agosto de 2007

Tetita ou Té
Enviado por Tetita ou Té em 16/08/2007
Reeditado em 17/08/2007
Código do texto: T609353
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.